domingo, 4 de outubro de 2009

O Bíblico Cantinho - Caim e Abel

Era uma vez o único homem e a única mulher do Mundo, que entre outras coisas foram expulsos de um sítio lindíssimo onde viviam. Chamavam-se Adão e Eva, e tiveram dois filhos: Caim e Abel.

O Abel era visivelmente o mais prendado, porque era pastor; Caim, coitado, mal sabia alimentar uma ovelha e por isso ficou com a difícil tarefa de colher milho; isto porque, aparentemente, Adão e Eva já tinham uns 800 anos, e por isso andavam demasiado cansados para trabalhar os campos.

Num dia como outro qualquer, Deus desceu dos céus para reinar um bocado com a sua criação, e pediu aos dois irmãos:

- Sacrifiquem aí qualquer coisinha por mim, se fazem favor. Já.

E lá foram os dois irmãos, procurando algo giro para sacrificar em nome de Deus. Como sabiam que Deus estava em todo o lado a vê-los, decidiram despachar-se. Abel, o pastor, agarrou na ovelha mais gorda e forte do rebanho, de forma a que o sacrifício fosse realmente espectacular. Quanto a Caim, foi até ao celeiro à procura de qualquer plantinha para sacrificar por Deus, e decidiu-se por um cestinho de alguns vegetais.

Chegados ao típico local onde se faziam sacrifícios com regularidade (porque Deus nesta altura ainda não tinha muitos humanos com que se preocupar, e por isso os irmãos eram a melhor forma de passar aquele bocadinho de Eternidade), Abel colocou a ovelha gorda em cima de uma pedra, dando-lhe uma pedrada para ela estar quieta. Caim depositou numa pedra ao lado o cestinho de hortaliças. As nuvens no céu abriram-se com todo o dramatismo, e uma luz branca desceu sobre os irmãos.

- Digam-me o que trouxeram. Já – pediu Deus, com todo o Amor.

- Senhor, trouxe-te a melhor ovelha do meu rebanho, para mostrar com este sacrifício e as duas semanas de fome que vou passar por estar a matar o meu ganha-pão o quanto te Amo – e com isto Abel, munido de uma pedra bicuda e do Amor por Deus, esventrou a ovelha a sangue frio. Foi a vez de Caim.

- Senhor, trouxe-te a melhor couve, a melhor maçaroca, a melhor cenoura e a melhor batata do meu cultivo. Aceita este sacrifício como prova do meu Amor por ti – e com isto, Caim esventrou a batata, e cortou a cenoura às rodelas.

- Aceito os vossos sacrifícios, meus Filhos – disse Deus – Abel, portaste-te bem. Essa é uma boa ovelha, e está especialmente bem esventrada. Mostraste que me Amas de verdade. Caim, quanto a ti, pensas que este sacrifício é a melhor forma de Me honrar?

- Mas senhor, não tenho outra forma… Eu Amo-te tanto ou mais que meu irmão!

- Não Amas nada! – disse Abel.

- Parem – disse Deus – Caim, eu sei que sou omnipresente e omnisciente, e por isso sei que me Amas e que me queres Honrar. No entanto, neste caso particular, vou fingir que sou ceguinho e que preciso MESMO de um sacrifício teu para Me sentir honrado; e obviamente que um sacrifício como o teu, ao lado do do teu irmão, é uma ninharia. Por isso, e porque sou infinitamente omnisciente e sapiente, começo a achar que não me Amas lá muito.

Abel deitou a língua de fora ao irmão, e Caim ficou triste. Deus foi-se embora, pensar em mais sacrifícios; e os dois irmãos continuaram a sua vidinha. No entanto, Caim ficou extremamente triste pois Deus, o seu Senhor, não gostara tanto do seu sacrifício como gostara do sacrifício do seu irmão Abel. Deprimido, e no auge do desespero, agarrou numa pedra e matou o seu irmão. Claro que por esta altura o mandamento que diz “Não matarás” ainda não tinha sido escrito, e por isso o pobre Caim não podia saber que aos olhos do Senhor estava a fazer uma coisa horrenda; quem se zanga porque não honrou ao Senhor não há-de ir a torto e a direito ofendê-lo de outras formas! Deus não partilhava da mesma opinião, claro; e por isso abriu as nuvens mais uma vez, e do céu desceu uma luz branca que iluminou Caim.

- Caim. Porque eu fui um Deus super justo e preferi o sacrifício do teu irmão ao teu, tu mataste o teu irmão. Achas isso bem?

- Agora que penso nisso, Senhor, não acho; mas na altura pareceu-me o indicado, já que estava mesmo tristonho por não teres gostado do meu sacrifício.

- Estás a dizer que a culpa é toda minha?

- Não, Senhor! Mil vezes não! Quer que lhe sacrifique outra hortaliça?

- Tarde demais. Agora sei que não só não me querias honrar, como me quiseste atacar pessoalmente ao matar o teu irmão Abel. Como ser omnipotente que sou, sinto-me vitimizado. Ah, e claro, foi errado porque o teu irmão Abel era inocente. Que achas que ele fez de errado, além de sacrificar um animal inocente a sangue frio em minha honra? Como prova da tua incompetência como criação obediente, vais ser ostracizado. Deves errar pelo mundo, sem parar, de um lado para o outro, e para te sentires ainda mais humilhado vais levar uma marca que te distinguirá dos outros meus Filhos.

- Até nem é um castigo assim tão mau, Senhor!

- E para a próxima vê se esventras pelo menos um elefante em minha honra. Ouviste?

Deus desapareceu de onde viera, por entre as nuvens; e Caim fez as malas e partiu para terras longínquas.

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