sábado, 24 de outubro de 2009

O Cereal Killer (6 de 12)

Jovial Trestonho caminhava sem convicção pela aldeia, tentando controlar as calças que insistiam em tentar fugir-lhe das pernas.

- Parem quietas! - dizia ocasionalmente.

Era já noite, e Jovial decidiu regressar a casa para comer qualquer coisa. Por isso, entrou pela rua que descia e subia, conforme o seu estado de espírito, que o levaria à rua de sua casa. No caminhou, parou para ver um padeiro tropeçar numa carcaça e estatelar-se no chão, o que lhe aumentou o bom humor. Mas a meio da rua, uma pequena multidão juntava-se. Jovial aproximou-se, ainda a debater-se contra as calças que teimavam em pregar-lhe rasteiras, e viu uma caixa de cereais estendida no chão. À sua volta estava o agricultor da beterraba pendurada no nariz, o caçador da medalha no sovaco, o velhinho da baguete, que agora se apoiava a um cão de cerâmica daqueles que se põem no jardim, um senhor com compridos bigodes que chegavam até ao chão e uma senhora vestida com uma fronha de almofada.

- É terrível! - dizia o agricultor, com a beterraba pendurada no nariz a oscilar perigosamente.

- Já é a segunda caixa de cereais a ser assassinada hoje! - lembrou a senhora da fronha, para depois se assoar ao vestido de uma transeunte.

- Chamem as autoridades! - exclamava o caçador, com a medalha a badalar. Via-se que estava nervoso pois, como se percebeu mais tarde, a caixa de cereais assassinada era sua amante. Ao saltitar pela rua enquanto chamava pelas autoridades, o caçador deixou cair a caçadeira de debaixo do braço e esta disparou um tiro certeiro que lhe furou a barriga.

- Golo! - gritaram os transeuntes, enquanto o caçador corria atrás do seu abdómen pela rua abaixo.

Entretanto, os agentes da autoridade viraram a esquina. Dois deles, montados em perus, abriam caminho por entre a multidão à sapatada. Atrás deles vinha o capitão, montado no seu possante porco preto, que relinchava a olhos vistos. Os agentes da autoridade aproximaram-se da caixa de cereais assassinada, e o capitão saltou de cima do porco, desta vez não aterrando em nenhuma banana. Jovial olhou para o seu traseiro, e reparou numa obstinada nódoa de banana que de certo ainda incomodava o capitão.

- Olhe, capitão! - disse um dos agentes da autoridade, a descer do seu peru - É um cadávere!

- Deveras! O segundo! - exclamou o capitão, com uma acrobacia de pernas que o fez desequilibrar-se e quase cair para cima de uma velhinha de muletas.

- Capitão, as autoridades têm de fazer alguma coisa! - disse o caçador, enquanto tentava recolocar o abdómen no devido lugar com fita-cola.

- Por favor, mantenham a calma! - disse o capitão, a coçar a cabeça com o chicote - Temos um terrível caso para desvendar, e aldeia nunca será segura até apanharmos o culpado!

Os transeuntes bateram palmas. O capitão continuou.

- Reparem! - baixou-se na direcção da caixa de cereais, expondo ainda mais a nódoa de banana no rabiosque, e apanhou um garfo cheio de sangue e restos de um qualquer enchido - O assassino usou uma faca no primeiro crime, e desta feita escolheu um garfo!
A multidão aplaudiu, mas parou logo a seguir por não perceber o que é que aquilo queria dizer.

- O assassino tem um faqueiro! - exclamou Jovial. Todos os transeuntes olharam para ele com admiração, e o velhinho do cão de cerâmica caiu de rabo no chão, tal foi a surpresa. O capitão olhou para Jovial.

- Deveras! - exclamou - Amigo, venha cá!

Jovial furou por entre a multidão, e quase bateu com a testa na beterraba do agricultor.

- Tenha mais cuidado! - disse o agricultor, ameaçando-o com uma enxada que retirou do bolço detrás das calças.

Jovial chegou perto do capitão.

- Como sabe que o assassino tem um faqueiro? - perguntou o capitão, encostando o seu nariz ao nariz de Jovial, perigosamente. Nesse momento, um pequeno pirilampo entrou pela narina esquerda do capitão, e ele espirrou com fogosidade. Um bocadinho de muco voou aerodinamicamente de encontro ao nariz de Jovial. A multidão riu. O capitão tirou uma toalhita higiénica de dentro do chapéu, limpou-se e de seguida limpou o ranho da cara de Jovial.

- Mil perdões... mas diga-me! Como adivinhou?

- Bem... no primeiro crime foi uma faca, agora um garfo... talvez no próximo seja uma colher! - a multidão soltou uma pequena exclamação de surpresa, e o capitão voltou a encostar o seu nariz ao de Jovial, desta feita com alguma distância.

- O senhor é esperto! Diga-me, o que faz na vida?

- Estou desempregado - disse Jovial.

- Deveras?

- Deveras! E olhe para isto - Jovial mostrou-lhe o pano de cozinha enrolado na mão.

- Como está? - cumprimentou o pano de cozinha, com um sotaque tailandês.

- Bem, mas a sua inteligência é deveras impressionante... Diga-me, o que sabe mais sobre este assassino?

- Bem... parece-me que gosta de matar cereais...

- Ah! - fez a multidão, surpreendia.

- Estamos portanto a lidar com um lunático!

- Repare, capitão... - observou Jovial. Aquela sua recentemente descoberta veia de detective estava a entusiasmá-lo – O assassino deve gostar de cereais pouco saudáveis, porque as suas duas vítimas foram caixas de cereais integrais!

- AH! - fez a multidão. Uma caixa de cereais integral que entretanto se aproximara desmaiou.

- Deveras impressionante! Amigo, proponho-lhe que me ajude a desvendar este crime! - disse o capitão.

Jovial ficou felicíssimo.

- Que honra, capitão!

- Sim, a honra é minha... - disse o capitão, a sorrir sarcasticamente para Jovial - Agente! Traga imediatamente um peru para este nosso novo detective! - ordenou o capitão, e um dos agentes montou o seu peru e desapareceu por uma esquina.

- Como se chama, amigo? - perguntou o capitão.

- Jovial Trestonho.

- Jovial, bem-vindo às Autoridades!

A multidão aplaudiu, e começou a dispersar. Fazia-se tarde. O agente da autoridade apareceu pouco depois montado num peru, e trazendo um embrulho debaixo do braço. Aproximou-se, colocou o embrulho nas mãos de Jovial e disse.

- Abra, abra!

Jovial rasgou o papel de embrulho e saltou lá de dentro um peru.

- Ena! - exclamaram os dois agentes da autoridade, a atirar serpentinas para cima de Jovial.

- Obrigado, também estou muito contente – agradeceu Jovial. Na verdade, começava a ficar com alguma larica.

- Amigo, este peru será o seu melhor companheiro! Por isso, dê-lhe comida, banho e presentes no Natal. Entendeu? - disse o capitão.

- Claro, capitão - Jovial tentou subir para cima do peru, mas este sacudiu-se e começou a pastar, enquanto cantava.

- The hills are alive, with the sound of gluglugluglusic! - e fez uma careta - Este pasto está rançoso!

- Oh! - fizeram os agentes da autoridade, e um deles quase caiu do peru.

- O seu peru está com defeito! - disse o capitão, surpreendido.

- E repare, capitão! As suas penas são a preto e branco!

Jovial olhou para as penas do peru e constatou que eram mesmo a preto e branco.

- Não se preocupem, eu adoro filmes antigos! - disse o peru, para ainda maior surpresa dos agentes da autoridade.

- Parece-me um belo peru - disse Jovial - No final da investigação poderei pô-lo no forno?

- Se quiseres uma refeição a preto e branco... - resmungou o peru, ameaçando Jovial com uma bicada.

- Amigo, podemos mandar trocar esse peru por outro em condições! - disse o capitão.

- Não, não, parece-me perfeito!

O peru de Jovial olhou para o capitão.

- Permita-me que lhe diga que tem banana seca no posterior.

O capitão corou com intensidade.

- Ah... hum... onde?

- No posterior - disse o peru outra vez - Ou nas nádegas, é como quiser.

- Bem, hum... cof cof... - o capitão continuou, retirando outra toalhita higiénica de dentro do chapéu e tentando limpar a banana das calças - Jovial, ah... então... bem... chamarei o médico legista e... começaremos a investigação...- e, sem mais demoras, subiu para cima do porco preto, deu-lhe com o chicote no rabo e acelerou dali para fora, enquanto removia com dificuldade a banana seca das calças com a toalhita.

(continua)

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