quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Cereal Killer (5 de 12)

Jovial Trestonho chegou a casa com visível desconforto. Ia mal sentado no papagaio de papel, que reclamava estar sempre estacionado em segunda fila; para além disso, o dedo (ou falta dele) doía-lhe, e a memória do terrível assassinato do candeeiro e da caixa de cereais ainda o atormentavam. Aterrou à porta de casa com violência, esfregando o rabo na pedra da calçada e rasgando as calças; uma vizinha riu-se da sua roupa interior, desavergonhadamente exposta por entre a calça rasgada, e Jovial entrou em casa ainda mais irado. O cadáver do candeeiro lá permanecia, sem se mexer, já que era um cadáver. Seria necessário informar a família e pagar o funeral, mas Jovial não queria pensar muito nisso. Precisava urgentemente de um novo pano de cozinha, porque o que lhe tinham dado no hospital já resmungava.

- Não gosto de alturas! – dizia - E odeio o cheiro a sangue, deixa-me nauseado.

Jovial tentou abrir uma gaveta para retirar um novo pano de cozinha, mas esta recusou-se. Tentou a do lado, que também não se mostrou prestável.

- Caramba! - disse Jovial, com o rabo a doer-lhe da queda. Tentou abrir uma terceira gaveta, e consegui-o; tirou um pano lavado do seu interior, mas antes de poder tirar a mão, a gaveta fechou-se e abriu-se rapidamente.

- Mordeste-me! - zurrou Jovial, a tentar aliviar a dor na mão com uma mezinha que sua avó lhe ensinara. Depois de curar a mordedura da gaveta, enrolou o pano de cozinha lavado, e depositou o outro usado no lava-louça.

- Nunca te perdoarei por o que fizeste ao candeeiro! - exclamou a voz fininha da caixa de fósforos. Jovial olhou para a caixa dos fósforos e deitou-lhe a língua de fora. De seguida, subiu ao primeiro andar, para ir mudar de calças, e reparou que todos os objectos da casa o olhavam com pouca confiança.

Retirou um par de calças lavadas de uma das gavetas, que o mordeu como a da cozinha, e tentou despir as calças rasgadas. Elas saíram suavemente, e correram para fora do quarto, ofendidas.

- Bagh... - fez Jovial, e tentou enfiar as calças lavadas, que se recusavam a ser vestidas.

- Assassino! - disseram elas, e forneceram a Jovial um valente pontapé na canela.

- Au! - urrou Jovial. Caiu para cima da cama, que lhe deu um empurrão e o atirou para o chão. Entretando, as calças lavadas já tinham saído do quarto, e Jovial perceguiu-as pela casa. Os objectos soltavam gritos de vitória e triunfo, enquanto Jovial, de roupa interior, saltitava pela casa a tentar agarrar nas calças fugitivas. Finalmente conseguiu agarrá-las, e vestiu-as com violência.

- Vou-me embora daqui! - disse para a casa.

- Assassino! - gritou uma pantufa.

- Homicida! - berrou um pé de mesa.

Jovial saiu de casa furioso, e durante a sua ausência os objectos fizeram uma festa com muito álcool e música rock.

(continua)

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