terça-feira, 24 de novembro de 2009

The Fernandez Challenge #3

Desafio para hoje: "Relinchar"

Romeu estacionou o cavalo num dos cantos do jardim, e o bicho começou imediatamente a pastar. Mastigava satisfatoriamente as flores do canteiro, mesmo por baixo da janela do quarto de Julieta. Deixar ali o cavalo, estava certo, ia dar merda. Romeu, que pouquíssimo devia à inteligência mas em compensação era de um lirismo extremo no amor, desceu do cavalo e caminhou pé ante pé até à janela, picando-se numas rosas. Os espinhos afiados furaram-lhe os collants, e Romeu praguejou em italiano medieval. Os collants foram à vida, e Romeu prosseguiu com um buraco, deixando antever a rótula.

A janela estava entreaberta, tal como combinado. Romeu empurrou-a com cuidado, dobrado sobre si próprio como um gatuno que procura entrar num museu sem acordar o segurança que dormita. Da escuridão do quarto ouve uma voz:

- Romeu, meu amor… És tu?

Romeu, entusiasmado, entra pela janela e fecha-a atrás de si. Sorri, abertamente, com o êxtase característico de um homem que sonhou com aquele momento durante o dia todo.

- Sou eu sim, meu amor…

- Romeu, meu amor, Romeu… Finalmente! Porque demoraste tanto?

- Entalei-me numa rosa e fiquei com os colantes presos…

- Isso pouco importa agora. Anda, diz-me belas palavras, como aquelas que costumas dizer.

Romeu parou a meio do quarto, subitamente surpreendido.

- Meu lírico amor, minha rosa a desbotar, porque não passar já ao amor personificado nos nossos corpos? Porquê perdermo-nos em lirismos que só adiam o que é do bom?

- Romeu, que falta de romantismo… Pensei que me amasses…

- E amo, e amo muito, minha fonte de vida! Meu cardo em crescimento vivo e colorido! Meu pedaço de mel derretendo ao sol como um gelado de framboesas italianas, doces e vermelhas como pequenas rosas que despontam na mais bela floresta encantada, de azuis e floreados riachos que descem pelos vales como as minhas lágrimas vertem pela minha face quando sinto a tua falta!

- O quê?

- Era um elogio, mas entretanto perdi-me. Meu amor, por favor…

- Vem, vem aquecer-te no meu leito.

O cavalo, lá fora, relinchou. Acabaram-se as flores do canteiro. Para Romeu, no entanto, a noite começava. O cavalo relinchou outra vez. As luzes do quarto de cima acenderam-se.

- Que luz é esta, como um aceso pirilampo na noite que era fria e agora, porque estou nos teus braços, é a mais quente do mundo? – perguntou Romeu, lutando para se desenvencilhar dos collants.

- Mãe, está tudo bem? – perguntou uma inocente voz, do andar de cima.

- Minha filha! É Julieta! – disse a voz por detrás do cobertor. Romeu sobressaltou-se.

- Corra! – disse a voz.

- Minha mãe? – chamava Julieta do andar de cima. Romeu voltou a enfiar os collants, e saltou pela janela. O cavalo relinchou. Romeu manda-o a um sítio, em inglês medieval. Em inglês medieval gritou também Julieta, quando debruçando-se da janela de seu quarto viu o seu Romeu, o amor da sua vida, a sair meio despido do quarto de sua mãe.

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