domingo, 31 de janeiro de 2010

A conspiração 1984

Há dois anos atrás escrevi um trabalho para a disciplina de Filosofia sobre um tema que me interessava e interessa. Hoje, ao percorrer a Sic online à caça da actualidade, deparei-me com mais uma reportagem sobre a videovigilância.

A principal vantagem da videovigilância é relativamente óbvia: é um mecanismo de segurança como outro qualquer, estando lá para prevenir assaltos ou para atenuar as suas consequências, servindo para facultar elementos importantes sobre os assaltantes. Se não há testemunhas ou se os seus testemunhos são contraditórios, a videovigilância pode ser a única saída no que toca a reunir informações objectivas. Quantos assaltantes eram? Qual o carro que conduziam? Eram homens? Altos, magros? Estavam armados? Como entraram ou conseguiram fugir?

No entanto, os críticos dos sistemas de vigilância argumentam que o equilíbrio entre a videovigilância eficaz e a privacidade dos cidadãos é impossível. Por alguma razão, as câmaras de filmar em locais públicos parecem apresentar um absoluto ataque à nossa privacidade. Não acho que este argumento seja legítimo. A partir do momento em que andamos às compras ou a passear com os amigos, estamos em público. Toda a gente nos vê, qualquer criminoso nos pode seguir ou abordar. O facto de haver captação de imagem que demonstre a minha presença à porta do Pingo Doce não é um insulto à minha privacidade. Além disso, não existe um sistema organizado de espiões governamentais a seguir-nos utilizando as câmaras de videovigilância. As teorias da conspiração e as óbvias comparações com o romance "1984" parecem-me bastante exageradas; mas não quero perder muito tempo com isto.

Quero só comentar que é engraçado, na sociedade em que vivemos, haver um cuidado tão grande com a nossa privacidade. Vivemos na época, desde o início da História, em que manter a nossa total privacidade começa a ser impossível. Os bancos sabem quanto ganhamos, os correios sabem onde vivemos, o Youtube sabe que vídeos andei a ver, e apresenta-me sugestões de vídeos dentro dos temas que me parecem interessar; tudo na nossa sociedade foi automatizado de forma a que enormes quantidades de dados, que incluem as nossas contas bancárias e dados peessoais, circulem pelos computadores de empresas e órgãos governamentais. Ninguém se queixa disto. Ninguém defende que seria muito melhor guardar os nossos rendimenos debaixo do colchão. A automatização da sociedade e a troca constante de dados tornou-se uma necessidade, e recusá-la seria viver à margem da sociedade. Também a segurança, que é um dos direitos e prioridades básicas de qualquer cidadão, é uma necessidade; e há que habituarmo-nos aos tempos que correm e encontrar mecanismos eficientes de combater a criminalidade.

Não deixa de ser curioso, no entanto, que a mesma sociedade que se deixa automatizar desta forma encontre tamanho ataque à nossa liberdade pessoal na videovigilância. A minha ida ao Pingo Doce, ou o facto de ir passear à Baixa no domingo à tarde, é invasão da minha privacidade? Seria, se a videovigilância se estendesse a um local privado. Seria, se por comparação outras acções consideradas normais e inofensivas fossem levadas tão a sério como as câmaras de vigilância. A maioria da populãção é contra a "invasão de provacidade da videovigilância", mas não apresenta problemas em colocar no Facebook ou no seu blog fotografias dos seus filhos, ou informações sobre onde e quando vão passar férias.

Sejamos honestos e coerentes. Se vamos levar a conspiração 1984 a sério, resta-nos desligar os nossos computadores e telemóveis, fechar as contas nos bancos, e de alguma forma apagar os nossos registos pessoais na Segurança Social ou Ministério das Finanças. Boa sorte com isso.

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