domingo, 21 de fevereiro de 2010

E se Rosa Parks fosse lésbica?

Rosa Parques era uma boa pessoa; não queria chatices nem aborrecimentos. Tinha uma vida pacata. Partilhava a sua casa e a sua vida com Cláudia, sua namorada. Ambas tinham emprego, ambas gostavam uma da outra, e nenhuma se envolvia em escândalos imorais. Os seus amigos gostavam delas, até lhes confiavam os seus animais de estimação. Tinham uma casa pequena, perto do centro da cidade, e eram felizes.

Um dia, Cláudia apareceu em casa com um anel e ajoelhou-se à frente de Rosa Parques. Ela chorou, e disse que sim. Ficaram noivas. A sua união foi motivo de alegria para os amigos e familiares, que viam na sua relação um amor raro e intenso. Cláudia e Rosa Parques prepararam uma pequena festa, organizaram os comes e bebes, e imprimindo convites. Fizeram a lista de convidados, escolheram o local para o copo de água, contactaram um fotógrafo profissional, escolheram os vestidos, reflectiram sobre qual delas levaria o bouquet e decidiram que levariam as duas, cada uma o seu. O grande dia chegou, e Rosa Parques e Cláudia meteram-se no carro e foram à Conservatória Civil.

Quando lá chegaram, perguntaram-lhes o que raio pensavam estar a fazer. Rosa Parques apontou para os seus vestidos, e perguntou se não era óbvio. Pela cara de total incompreensão do segurança, não deveria ser assim tão óbvio. Exigiram falar com o responsável, que dali a vinte minutos chegou e perguntou o que ali se passava. Ao que parece, disse-lhe o segurança, estas duas senhoras querem casar.

- Com quem? - perguntou o responsável.

Rosa Parques e Cláudia deram a mão.

- Estão a brincar! - disse o responsável. Não, não estavam - Não sabem que isso é ilegal?

Algumas das pessoas que estavam na conservatória aproximaram-se, observando a cena. Rosa Parques pronunciou-se. Se era ilegal, era uma injustiça. Quem teria feito essas regras? O que é para uns não deveria ser para os outros?

Um homem com enorme bigode e ar de puritano indignou-se. Chamou-as de radicais e exageradas, e sugeriu-lhes que se mantivessem no seu lugar na sociedade, que assim é que deve ser. Nada de serem ambiciosas; até porque, argumentou, a maioria das pessoas não concordava com elas.

Rosa Parques sorriu-lhe, perguntando se a maioria teria razão. O homem de bigodes respondem que claro que tinha, pois se era a maioria! Rosa Parques sorriu-lhe outra vez, recusando-se a largar o bouquet de flores, e perguntou qual seria o problema de se casar com a pessoa que lhe apetecesse. Que mal viria ao mundo? O homem de bigodes corou, e disse que todos, todos os males viriam ao mundo. Sua radical.

O segurança procurou acalmar os ânimos, sugerindo a Cláudia e Rosa Parques que se retirassem pois estavam a indignar as pessoas e isso é que não poderia ser. Algumas vozes apoiaram o homem de bigodes, e outras resmungaram que não senhora, as duas noivas até tinham uma certa razão.

Gerou-se alguma confusão, enquanto os dois grupos discutiram e trocaram argumentações. Rosa Parques insistiu que se queria casar, e era hoje. Ok? Não, não ok. O grupo liderado pelo homem de bigodes interrompeu-a, declarando que se deles dependesse nada disso iria acontecer. A sociedade estava organizada de determinada forma, em que cada um tem um lugar definido e um papel na sua organização. Mudar isso é trazer o caos, é levantar o ridículo e o inimaginável, é igualar as duas noivas a dois noivos quaisquer! E acrescentaram que, no espírito da boa democradia, eram a maioria, e por isso decidiam que ali não ia haver casamento para ninguém.

O responsável pela conservatória não teve outro remédio senão convidá-las a sair, e Rosa Parques e Cláudia assim o fizeram, garantindo que muito provavelmente aquela luta não ficava por ali e que, mais cedo ou mais tarde, justiça seria feita; isto sob uma pequena salva de palmas daqueles que lhes deram razão. À porta da conservatória, deram um beijo apaixonado, de língua, e o homem de bigodes quase teve um AVC.

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