quinta-feira, 25 de março de 2010

O respeito pelo Papa

Ups! Depois de vários meses de escândalo atrás de escândalo, Bento XVI vê-se agora pessoalmente envolvido na confusão.

Entretanto, em Inglaterra, uma petição online defende (ou defendia, porque já está fechada, tendo optido 25 mil assinaturas em três semanas) que o dinheiro público não deveria ser utilizado para pagar a visita oficial do Papa àquele país, argumentando que o Papa e a Igreja são responsáveis por desagradáveis momentos de mentira e maldade como as declarações sobre o uso do preservativo, o apoio sistemático à desigualdade dos homossexuais, e os actuais escândalos de pedofilia que se parecem multiplicar.

Isto no resto do planeta, onde as pessoas ainda usam o cérebro. Falemos de Portugal.

País maioritariamente católico, e responsável pela organização daquele Rock in Rio religioso que é a Peregrinação a Fátima, Portugal tem uma opinião muito própria em relação ao Papa e ao catolicismo. É para nós um assunto de severa importância, e a visita do Papa chega a ser motivo de honra, não se tratasse do líder da Igreja católica.

Eu tenho um problema com isto, que é o seguinte: há muito a tradição de confundir a liberdade religiosa com a religião em si. Muitas pessoas relembram o facto de Portugal ser um país de tradição cristã para justificar tanto alarido à volta da vinda do Papa. No entanto, vivemos num estado laico, que deve manter-se separado das questões religiosas que, por definição, dividem o país. Há uma razão pela qual o estado não deve beneficiar uma religião em particular, principalmente com dinheiro público: isso tende a deixar os fiéis de outras religiões, bem como quem não tem religião de qualquer espécie, um pouco incomodados. O Estado serve para servir e aplicar medidas que benificiem ou sejam aplicáveis a toda a gente, de forma a semear a igualdade e não a preferência por determinada crença; mesmo que essa crença seja a da maioria da população.

Por outro lado, este respeito automático que se cria à volta da religião é contraproducente e perigoso. Tornou-se hábito respeitar automaticamente a religião e crença de cada um. Ser do PSD, do Benfica ou gostar mais da Júlia Pinheiro do que da Catarina Furtado são tudo domínios em que toda a gente se sente à vontade para brincar ou criticar, mas quando falamos na colecção de mitos aceites por determinada pessoa toda a gente perde a vontade de rir e torna-se até mal educado criticar essas crenças.

Está na hora de olharmos para a religião de forma objectiva e de tratarmos figuras como o Papa com o respeito que merecem; que, no caso do Papa, é nenhum. Não dou ao Papa uma consideração automática só por ser o Papa, como se o lugar lhe desse qualquer tipo de estatuto acima do comum dos mortais. Como para mim a crença de que este homem é realmente o representante de Jesus na Terra e faz rir, atribuir-lhe um respeito especial só por ser a figura central de uma religião está fora de questão.

Fora do domínio religioso, resta-nos tudo aquilo que o Papa representa: nada. A sua utilidade prática é inexistente, servindo apenas para representar a sua religião e viajar pelo globo, distribuindo discursos semelhantes ao de uma concorrente a Miss Universo sobre a importância da paz e do amor entre os Homens, e largando ocasionalmente pequenas bombas de irresponsabilidade (como as suas declarações sobre o perigo de utilizar o preservativo em pleno continente Africano).

Que tipo de respeito posso ter por tal personagem? Como querem que respeite seriamente um homem que, eleito por outros homens, se acha representante de Deus na Terra e que usa esse poder para praticar todo o tipo de maldades em nome da religião que representa? Como querem que coloque numa balança de um lado toda a sua hipocrisia e maldade, e do outro as suas palavras repetitivas e totalmente desprovidas de carácter divino sobre Paz e Amor? Como querem que leve a sério esta pequena fraude?

No entanto, somos quase que obrigados a fazê-lo. Duvido que os ânimos não ficassem perigosamente agitados se lesse este texto junto de meia dúzia de cristãos, que conseguem compartimentar o que vêem na TV e criar à volta do Papa uma aura de Santo na Terra. Muitos deles seriam capazes de lhe apontar todos os seus defeitos, caso se tratasse do líder de outra religião qualquer; mas vindo o Papa a Portugal, felicitam-se com a sua presença e dizem tratar-se de um acontecimento único e importante; pelo qual, note-se, muitos de nós iremos pagar.

Onde está a revolta? Onde estão as pessoas que não concordam com o carácter quase divino (que palavra apropriada!) desta visita? Onde estão aqueles que vêem nos altares e despesas para as autarquias um desperdício de dinheiro só para que os fiéis católicos possam rezar em frente ao Papa, numa sessão de masturbação espiritual colectiva?

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