quinta-feira, 15 de abril de 2010

Afinal a cura para o cancro está na Internet: conversa com um crente na energia da água

Tive esta tarde uma interessante conversa com um senhor que parece acreditar na incrível energia da água. Quando cheguei junto do pequeno grupo que conversava sobre isto, fui a tempo de ver um pequeno disco de vidro que o homem em questão trazia no bolso. Enquanto falava com o meu pai e um amigo mútuo, procurava convencê-los dos poderes mágicos dos seus discos:
“Coloquem aqui o cigarro, sobre este disco de vidro. Força”. O meu pai assim fez. O homem agitou ligeiramente o disco, equilibrando o cigarro aceso lá em cima, e estendeu-o de volta ao meu pai “Pronto, está energizado. Agora o cigarro vai saber-lhe muitíssimo melhor. Não nota a diferença?”. O meu pai não notou diferença nenhuma, e procurou afastar-se da conversa. O meu interesse em cepticismo e crenças malucas fez-me intervir e perguntar como funcionava esta maravilha.
“Este disco está embebido com uma série de cristais, que quando em contacto com alimentos ou objectos lhes muda a energia. Isto funciona porque os cristais têm uma energia que se propaga num raio de 5 metros e altera as estruturas moleculares, que vêem os seus ângulos de ligação alterados” Depois, numa voz condescendente, “Não sei se a sua formação inclui química…”.
Eu disse que sim, um pouco, e perguntei-lhe de que forma poderiam esses minerais alterar a estrutura química dos objectos, uma vez que as estruturas moleculares e respectiva “forma” são definidas pelas forças electrónicas entre os electrões e os protões dos átomos que as constituem. Perguntei-lhe ainda que tipo de energia seria essa, e de que forma esta alteração molecular a nível dos ângulos de ligação poderia trazer a um cigarro um sabor mais agradável.
“Ora, não me pergunte esses pormenores que não sei como funcionam” disse-me ele, “mas que funciona, funciona mesmo”.
Prosseguiu a mostrar-me um pequeno frasquinho de água “viva” que trazia consigo. Era um frasco de plástico muito simples e ranhoso, daqueles que se compram no Pingo Doce com soro fisiológico lá dentro. Explicou-me que a água tem um poder energético e que tem “memória”. Essa água viva, que trazia no bolso, era uma água energizada, e que servia para energizar o disco de vidro. Com esta pequena maravilha, dizia ele, conseguia obter resultados incríveis. Exemplos incluem lavar a salada com água viva porque esta fica a saber melhor; duas rosas, que quando colocadas cada uma em dois tipos de água (uma em água viva e outra em água normal) murchavam a ritmos diferentes (a rosa mergulhada em água da torneira murchando mais depressa); quatro pessoas que, depois de mergulharem as mãos em água energizada, puderam levantar uma cadeira com uma pessoa lá sentada em cima para sua própria surpresa; surgiu até o exemplo de um amigo que é atleta, que experimentou correr os cem metros (obtendo um tempo), e voltou a corrê-los a seguir com i disco energizado no bolso (obtendo menos tempo).
Perguntei-lhe de que forma poderia tirar essas conclusões, uma vez que me pareciam “experiências” muito pobres e que não tomavam em conta outras variáveis. Só no exemplo das rosas bastava uma estar mais exposta ao sol para alterar os possíveis resultados; e no caso do atleta, bem… Escusado será dizer que correr com um disco no bolso e obter melhor tempo não nos permite criar uma relação de caso-efeito. Seria como dizer-vos que ontem escri apenas uma página numa hora, mas que hoje, depois de comer um pacote de bolachas Maria, consegui escrever duas páginas no mesmo tempo; logo, as bolachas Maria permitem-me escrever mais depressa. Acho que a falácia é flagrante.
Fiz uma careta quando o homem lançou a típica frase “eu costumava ser céptico como tu mas”. Prosseguiu a dar-me exemplos de como o poder da água era inegável. Um cientista japonês de nome Masaru Emoto fez uma experiência em que submeteu pequenas quantidades de água a diferentes ambientes (ambiente calmo, violento, com música barulhenta, com música calma, etc) e que de seguida congelou essa água e observou os cristais de gelo formados.
“A verdade é que os flocos mais bonitos e simétricos eram resultado de ambientes mais calmos e música bonita, enquanto que os flocos feios e desordenados o resultado de ambientes nocivos e violentos”, disse-me o homem com toda a seriedade. Impressionou-me esta descrição, uma vez que um professor de física quântica me apresentou a mesma experiência aqui há uns tempos enquanto me tentava convencer da mesma coisa: que há uma “energia”, presente na forma como dizemos e pensamos nas coisas, à qual as moléculas reagem e que as faz reorganizar.
Não percebo como podem as moléculas de água avaliar se a música é bonita ou não, e duvido que o copo de água que estou a beber me esteja a ouvir; por isso fui pesquisar.
Ao que parece, a metodologia de Emoto é curiosa: expunha diferentes amostras de água a coisas como música clássica ou heavy metal, palavras bonitas e insultos, e até rezas e pensamentos positivos. Depois, congelava as amostras e tirava fotografias aos cristais de gelo formados. Curioso é que não partilhou os dados com o resto da comunidade científica, não seguiu a metodologia científica de amostras de controlo ou objectividade na escolha dos “fotógrafos” (escolhidos pelos seus pensamentos positivos e não pela sua experiência na área em causa, e aconselhados a escolher eles próprios que cristais fotografar)
Não só a sua metodologia está em causa: talvez mais flagrante que a sua falta de rigor é o facto de ter publicado uma série de livros que até hoje são traduzidos e vendidos com títulos como “As Mensagens Escondidas da Água”, o que abre caminho a especulações sobre a sua objectividade e sobre a ética presente na sua investigação.
Mas continuando com a conversa. O homem com quem estava a falar passou rapidamente de “a água melhora o sabor da minha salada” para afirmações cada vez mais extremas. Contou de um exemplo de um senhor que tinha leucemia, e que ia morrer. Ao que parece alguém deu esse doente uma destas garrafas de água mágica, que ele foi tomando, e em duas semanas sofreu uma cura milagrosa. A sua médica não queria acreditar. Estava curado, e tudo graças ao poder da água!
“Aliás, mostrei os exames desse senhor com a leucemia a um amigo meu, que é oncologista, e ele olhou para os valores dos exames e perguntou que tratamento é que esse paciente tinha feito” continua o homem com quem tive a conversa, “Eu expliquei-lhe isto do disco e do poder da água. O meu amigo oncologista ficou estarrecido, e já concordou em dar a beber aos seus pacientes a água viva, mesmo sem eles saberem! Estou muito curioso para saber os resultados!”
A minha “Escala de Treta”, que mede a minha capacidade de ouvir disparates sem reagir a eles, atingiu valores elevados. Com que então a cura para a leucemia e, quem sabe, para o cancro, está na energia da água! Com certeza os fabricantes dessa água e dos discos energizados iriam receber o Prémio Nobel da Medicina! Perguntei se os criadores e distribuidores da água mágica já tinha começado a abrir algum tipo de clínicas, onde as pessoas pudessem ir borrifar-se com água viva e curar tumores e doenças terminais. Com certeza uma descoberta destas terá um impacto enorme na vida das pessoas!
“Ah, isso não” respondeu-me ele, “Tens de encomendar por uma empresa. Toma, eu dou-te o meu cartão”. Tenho-o aqui, visitei o site e já fui convidado para assistir a uma das palestras sobre o poder da água.
Apeteceu-me perguntar “Está a dizer-me que a cura para a leucemia e para o cancro pode ser encomendada pela Internet?”, mas com certeza não seria capaz de perguntar tal coisa sem me rir da honestidade do homem. Outra pergunta (que agora me ocorre) e que gostaria de ter feito parece-me óbvia: “Se o seu neto desenvolvesse uma doença perigosa e potencialmente mortal, fechava-o em casa a beber água e agarrado a um pedaço de vidro ou levá-lo-ia a um médico?”. Abstive-me de comentários e a conversa terminou.
Engraçado, pensar que alguém faz a descoberta mais importante do século, demonstrando que a água tem um poder inimaginável que vai desde curas milagrosas até atletas a correr mais depressa. O que faria eu com um poder destes? O que faria eu se descobrisse que uma garrafa de água poderia curar o cancro? Com certeza apresentaria o meu caso à comunidade científica, que m aceitaria como um génio. Usaria o meu disco mágico para energizar todas as garrafas de água que conseguisse encontrar, levando a esperança a milhões. Receberia o Prémio Nobel da Química e da Medicina, os dois no mesmo ano, e abriria clínicas em todo o planeta para borrifar as pessoas com a minha solução milagrosa. As vidas que podia salvar, a diferença que faria no mundo!
Mas os verdadeiros “inventores” desta energia da água parecem mais preocupados em fazer dela um franshising, através de pirosos sites na Internet nos quais podemos encomendar discos mágicos e jóias energizadas. Entrar no seu site (que podem visitar clicando aqui) é entrar num anúncio das televendas e não na promessa de cura da Humanidade. Como qualquer outro esquema que garante curas e resultados milagrosos, não é grátis.
Para terminar: o homem perguntou-me se dormia bem, eu disse que não (é verdade). Ele prometeu-me na próxima semana trazer-me uma série de garrafas de água. Deverei colocar uma garrafa de água em cada canto da cama, e as minhas insónias ficarão curadas. Aceitei no momento o desafio, e comentarei aqui no blog os resultados (ou falta deles) obtidos.
Até lá, vão ao site em questão e comprem os BioDisc (é o nome do salva-vidas de vidro), pode ser que vos dê jeito para curar um tumor um dia destes.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Ontem ao Jantar a pedido do meu marido saboreei o vinho que habitualmente bebemos assim o fiz. Olhei para ele (meu marido) e ele sorriu. Perguntei-lhe qual era o problema de seguida pediu-me para provar o vinho do seu copo, provei e devo de ter feito uma cara de admiração ao qual perguntei “mas afinal o que se passa. O vinho esta estragado?” respondeu: Não sentes nada no sabor do vinho? E eu disse não esta na mesma, é o mesmo sabor. De repente saca de um fraquinho de plástico dizendo que no seu interior se encontrava uma água energizada e contou-me exactamente a mesma história do Senhor da água milagrosa sorri e disse que palhaçada.
Hoje de manhã acordei com uma forte dor de cabeça mais precisamente na nuca e como habitual coisas de Mulheres queixei-me ao meu Marido. A reacção dele foi tão rápida como se não estivesse com vontade de me ouvir a queixar de novo que quando dou por mim está o meu Marido a pulverizar-me a nuca com a aguinha milagrosa. Hummmm senti uma frescura e para ser sincera uma cura imediata. Sorri e disse olha que afinal a aguinha Milagrosa do senhor. É Verdadeira já não me dói a Nuca.

Como disse o Senhor. “Ora, não me pergunte esses pormenores que não sei como funcionam” disse-me ele, “mas que funciona, funciona mesmo”.

S. R.