terça-feira, 6 de julho de 2010

A Arte do subsídio

O programa Antena Aberta da RTPN discutiu esta manhã se a arte e cultura em Portugal podem existir sem o apoio do Estado. Tenho uma opinião um pouco dramática sobre isto, mas vou tentar justificar-me. A verdade é que acho um sistema injusto e contra-producente, esta subsidio-dependência dos artistas portugueses.
Primeiro, se devem haver cortes orçamentais (que os há) em praticamente todas as áreas da sociedade (educação, saúde, etc), é absurdo que a o Ministério da Cultura não sofra cortes também, porque se os artistas argumentam que assim se assassinam postos de trabalho, o mesmo é repetido por todos os representantes de todos os outros sectores. Aliás, de um ponto de vista extremamente objectivo, se é para cortar deve cortar-se naquilo que não tem uma utilidade prática, porque a verdade é que a arte não oferece nada que seja realmente preciso. Em qualquer outra área, uma fábrica ou qualquer sistema de produção de um produto que se torna obsoleto e que, por isso, deixa de ser vendido porque as pessoas simplesmente não têm interesse, em qualquer outra área, dizia eu, os produtores têm de se desenrascar e lidar com o facto de serem produtores de algo que já não é querido pelo consumidor.
Será este um sistema demasiado cruel? Talvez; mas fábricas e produtoras fecham as portas porque ninguém compra os seus produtos. Agricultores sentem dificuldades quando os seus produtos (que, relembre-se, estes sim tratam produtos de primeira necessidade) não podem ser vendidos. Assim será com a cultura, porque em verdade se uma companhia de dança ou um realizador de cinema não vende o seu produto (que neste contexto recebe o artístico nome de “obra”) não terá outro remédio senão procurar outro “produto” para vender. Um sistema em que os artistas estão dependentes do dinheiro governamental e que, por definição, não conseguem sobreviver com o seu trabalho, deveria levar a que esses artistas mudassem de estratégia e procurassem “vender” outro “produto”. Se Estado está a estourar dinheiro numa classe que, se apenas sobrevive graças à sua ajuda e não produz o suficiente para ser autónoma, algum dia alguém terá de bater com o pé e dizer, como em qualquer forma de comércio, “Ou alguém te compra o produto ou vais para a rua”.
Mas que apoios dar ou a quem os atribuir é outra questão difícil. Um participante no programa Antena Aberta defendeu que um apoio de cultura a sério passaria por apoiar as bandas filarmónicas e o folclore, o que para o intelectual cérebro de muitos artistas seria como estourar dinheiro numa colecção de naperôns. Bem ditas as coisas, se é para preservar realmente a cultura portuguesa tradicional, seria mais bem empregue gastar orçamentos em folclore transmontano do que em peças de arte moderna; mas o que é para uns um património artístico a preservar é para outros uma ultrapassada e primitiva forma de expressão artística popular. O que é a arte? É o Tony Carreira ou Mozart? É Rui Horta ou Marco De Camillis? São as novelas nacionais ou Manoel de Oliveira? Quem escolhe? E, especialmente, com que critérios?
O problema está na educação, onde não se investe na formação dos jovens. A verdade é que noventa por cento da população nunca foi ao teatro (teatro, digamos, a sério), ou ver um espectáculo de dança, ou ver um filme português. Se a escola serve para muitas coisas, deveria servir também para educar para a cultura e para a arte, de forma a despertar sensibilidades e dar aos artistas a oportunidade de produzir não para sete pessoas mas para setenta mil, e dar a todos a oportunidade de conhecer algo mais do que os filmes de Sábado à tarde da TVI ou os concertos do Toy. Assim, a arte seria de facto uma indústria em Portugal, onde os artistas apreciados poderiam multiplicar-se sem a necessidade de apoios de ninguém e onde a população poderia usufruir de todo o conteúdo profundo das suas obras artísticas.
No entanto, há uma tendência para chegar ao extremo de apoiar sem reservas e com um patriotismo doentio tudo o que é português, independentemente de ser bom ou mau, ou independente de ser apreciado ou não, de maneira a motivar a produção artística nacional. Esquecemo-nos (e por isso o relembro uma segunda vez) que a arte é uma coisa muitíssimo subjectiva, e que mexe quase na totalidade com os gostos pessoas e sensibilidades da população porque a educação do mesmo para compreender a técnica e o trabalho teórico por trás da arte é nula. Assim, criam-se situações em que parece que o público não pode escolher aquilo que quer ver, ouvir ou ver porque pode ser chamado de cruel e ser acusado de não apoiar devidamente o seu país. Num exemplo estranho, uma das participantes no Antena Aberta disse que a ministra da cultura anda por aí vestida com Prada quando podia estar a vestir roupa de estilistas e produtores nacionais. A ministra, registe-se, nem pode andar com a roupa que quiser porque isso pode parecer mal. Se eu ouvir uma banda americana, isso deve com certeza significar que ignoro a situação da arte em Portugal e que quero que todos os músicos portugueses se vão lixar.
Outro exemplo de excesso de zelo exemplo: para defender a arte nacional, criam-se medidas ridículas como aquela ideia de passar não sei quantos por cento de música portuguesa em todas as rádios. Ou seja, se há dez músicas internacionais que os ouvintes realmente gostam, uma ou duas dessas músicas devem ser substituídas só para ver se as pessoas depois vão à Fnac comprar o CD dos (sempre os mesmos) artistas portugueses.
Outro exemplo é o teatro de revista, cujos representantes ouvi muitas vezes queixarem-se que não recebem subsídios. A pergunta não é porque é que eles não recebem subsídios, mas sim porque deveriam receber. Se a revista é um tipo de teatro e comédia que, quer se queira quer não, pouco ou nada interessa à população actual. Será da responsabilidade do Estado investir numa área artística moribunda e da qual ninguém quer saber? Mas, por uma ordem de ideias já apresentada acima, não será de esperar que o Governo deva investir na preservação de uma expressão artística que, mesmo que ultrapassada, tem um potencial interesse histórico? Desta forma, qualquer expressão artística portuguesa deveria ser apoiada pelo Estado, desde o teatro de revista aos falos das Caldas.
Rui Horta, o famoso coreógrafo, também telefonou para o programa, dizendo que “Só as pessoas cultas” terão capacidades para lidar com o mundo do futuro, o que é curioso porque a criatividade não é, de forma nenhuma, uma característica monopolizada pela arte. Áreas como a publicidade sobrevivem, e bem, utilizando a criatividade como “produto”. Não é de todo necessário um subsídio governamental para se ser criativo. Concordo com o que diz Rui Horta sobre a criatividade ser importante no futuro, mas não é por haver mais espectáculos de dança moderna ou exposições de pintura que a população vai evoluir para uma sociedade mais culta e inteligente. O problema, repita-se, está na educação, que deve não só (como já disse) educar para apreciar a arte e a cultura, mas também para promover essa tão importante criatividade.
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