sexta-feira, 23 de julho de 2010

Não, agora a sério: porque é que utilizamos o Facebook?

Hoje entrei no Facebook e olhei feito parvo para a página aberta à minha frente, perguntando-me com alguma surpresa "O que raio é que eu ainda venho fazer ao Facebook?".
Não querendo ser acusado de criticar sem experimentar, inscrevi-me no Facebook há uns tempos e desde aí vivi em primeira mão nesta pequena realidade à parte, onde todos somos amigos íntimos uns dos outros e onde se trocam links, músicas, comentários foleiros e fotografias por tudo e por nada. Há, geralmente, uma sensação sentida pela maioria dos utilizadores de que o que quer que tenham a dizer, desde comentar uma recente descoberta em Marte ou dizer que vão passar a ferro, interessará a todos os outros utilizadores seus amigos, ou que esta informação será essencial para o seu bem estar e felicidade; e pior, esta perspectiva confirma-se quando os amigos respondem com comentários tão ou mais cheios de conteúdo interessante, como "Gostei!" ou "Vou partilhar porque é muito giro". Isto dito de experiência própria, porque eu próprio, se bem que evitando colocar parvoíces que me parecessem superficiais, partilhei e dei a conhecer links para vídeos ou artigos que, para mim, tinham algum interesse. Aliás, aproveitei para publicitar o meu blog sempre que aqui escrevia alguma coisa nova (e, diga-se de passagem, não tenho mais leitores por isso). Em todas essas ocasiões, no entanto, há em mim uma sensação de inutilidade profunda, porque é obvio pelo tipo de respostas obtidas que ninguém se interessa minimamente por aquilo que tenho a dizer.
Isto comprova-se, a meu ver, na forma como percorro as actualizações nesta página enorme onde me é mostrado o que é que os meus amigos andaram a fazer. Muito raramente encontro algo de interesse, sendo a grande maioria entradas informando-me de que um amigo meu gosta das frases Nicola, ou que uma amiga tem o milho a crescer no FarmVille, ou que um amigo meu é agora amigo de um gajo qualquer que eu não conheço ou até que "Fulano juntou-se ao grupo Tal e Tal"; grupos esses que, aliás, começam a ganhar estatuto na sociedade sem qualquer razão para isso. Não foi há muitos dias que ouvi uma notícia do estilo "Lady Gaga tem mais seguidores no Facebook que Obama". Às vezes temos de colocar as coisas em perspectiva e perguntar: O que raio significa a Lady Gaga ter muitos seguidores no Facebook? O que é que isso significa para o que quer que seja? Ser seguidor de algo no Facebook não é demonstração de respeito, carinho, amor, fascínio; é simplesmente o resultado de se carregar num botão.
De cada vez que entro no Facebook sinto-me cada vez mais entristecido por aquilo que vejo ser, para todos os efeitos, o mais democrático mas também mal aproveitado sistema de comunicação à escala global. As pessoas têm a possibilidade de partilhar o que de melhor têm para oferecer, e usam-no, na sua maioria, para avisar o resto dos amigos de que comeram camarão e que estava bem temperado. Há aqui, parece-me, o espelhar perfeito da forma como as pessoas não têm nenhum cuidado ou sequer gosto em ocupar o seu tempo livre com coisas interessantes ou desafiantes. Sim, claro, há pessoas inteligentíssimas que só lá vão de vez em quando, que partilham coisas interessantes, que comentam de maneira a abrir conversas que podem ser úteis e estimulantes; mas a maioria das pessoas gasta horas por dia na mais plena e patética forma de passar o tempo.
O que, argumentem se quiserem, é legítimo porque cada pessoa tem o direito de perder tempo com trivialidades; mas é difícil ser optimista em relação às próximas gerações quando se perpetua o Facebook como uma futurista, inovadora e brilhante ferramenta de contacto social e este se baseia na troca de sacos de aveia no FarmVille, ou nos comentários jocosos às fotografias em fato de banho dos nossos amigos. Tenho uma série de amigos com os quais falo com alguma regularidade, e curiosamente nunca falamos no Facebook. A minha tia vive em Madrid, ou seja, longe, e o nosso contacto no Facebook resume-se a mensagens muito raras; talvez porque falo com ela por telefone ou por outros meios. Da mesma forma, tenho amigos no Facebook com os quais nunca falo, que me adicionaram e com os quais nunca iniciei qualquer tipo de contacto.
Parece-me que as grandes formas de comunicação já foram inventadas, e utilizar o Facebook com a desculpa de que se mantém contacto, através dele, com os nossos amigos, é uma falácia; se o único contacto entre duas pessoas é uma série de trocas de comentários num fórum digital, então algo de errado se passa com essa profunda e comovente amizade. Se não for, então mais vale perder duas horas e ir ao cinema com quem gostamos do que perder duas horas a comentar em todos os perfis de todos os nossos amigos para mostrar o quando lemos as suas divagações com atenção.
Portanto: uma desarmante falta de conteúdo e um inútil mecanismo de contacto entre as pessoas. Que mais defeitos encontro no Facebook (ou, sejamos rigorosos, na forma como as pessoas utilizam o Facebook)? Talvez a hipocrisia dos utilizadores. As nossas preocupações com questões de segurança, agora que o mundo da Internet e dos computadores veio automatizar tudo e mais alguma coisa, tornou-se paranóica. A população é geralmente contra os chips nos automóveis, contra cartões contendo todos os nosso dados, contra câmaras de vigilância nas ruas ou contra a organização e gestão de informações pela parte dos governos e dos bancos, tudo isto com a desculpa de que são inegáveis e perigosíssimos ataques às nossas liberdades individuais e à nossa privacidade; mas não vê qualquer problema em partilhar informações sobre a sua vida pessoal, fotografias dos filhos, da sua casa ou do seu carro, avisar toda a gente de quando e para onde vai quando sai de casa, revelar informações sobre doenças, preocupações íntimas e relações pessoais, onde trabalha, o que faz da vida, etc. Haver uma câmara que regista os movimentos nas ruas do centro da cidade de maneira a evitar crimes ou facilitar a reposição da ordem e justiça é simplesmente demais para a cabeça do nosso Zé Povinho, mas o mesmo aceita com toda a facilidade (aliás, não só aceita como é o único responsável) a partilha de informações pessoais num fórum totalmente público na Internet, onde todos podem ter acesso à informação.
E, relembro, fá-lo com a descontracção de quem utiliza um monitor e um teclado para despachar as suas relações com as outras pessoas, dando parabéns ou conversando com os amigos; e com a mesma descontracção de quem tem à sua disposição um fascinante mecanismo de partilha de informações e o utiliza para plantar batatas ou divagar sobre um provérbio chinês inspirador.
Quando penso no Facebook e na minha experiência pessoal com "ele", chego à conclusão de que não estou uma pessoa mais sociável ou me encontro em maior e melhor contacto com os meus amigos e conhecidos; e muito menos o tempo gasto a procurar entradas interessantes compensa a perda de tempo útil que podia estar a utilizar para fazer todas as coisas de que realmente gosto. E, no entanto, usei o Facebook durante meses. Quando penso nisto, resta-me perguntar-me a mim próprio se serei, eu e todos nós, tão estupidamente fáceis de entreter como isto, e se os nossos critérios estão assim tão baixos. Gostava de acreditar que não. Gostava mesmo.
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