sábado, 10 de julho de 2010

O que têm em comum O Segredo, Jesus e o Pensamento Positivo?

Estou de férias, o que me permite perder tempo com coisas nas quais não gastaria um segundo em tempos mais ocupados. Entre jogar Yu-Gi-Oh e descobrir com satisfação uma espécie de Videoclube com séries no meu aparelhómetro do Meo, pus-me a ler “O Segredo”.

Primeiro um filme e depois um livro, “O Segredo” é basicamente a ideia de que basta pensarmos ou querermos muito uma coisa para que esta aconteça, quer seja dinheiro, um carro novo ou a cura de uma doença crónica. Desde 2006, data em que saí o filme original, nem está tudo rico muito menos foram curadas as gravíssimas doenças crónicas que pareciam nada mais do que o resultado de pensamento negativo na perspectiva do Segredo, por isso das duas uma: ou todo o mundo ignorou a maior descoberta da história humana em larga escala, ou a coisa simplesmente não resulta.

Mas se sabemos que não resulta, porque é que toda a gente cai no esquema? Bem, primeiro é porque resulta mesmo, pelo menos em algumas situações. Parece-me óbvio que muitas vezes o optimismo pode realmente levar a bons ou melhores resultados. Uma equipa de futebol desmoralizada joga pior que as outras, isto porque o nosso estado de espírito afecta o nosso desempenho. Isso não significa, no entanto, que seja o pensamento positivo o responsável pelos bons resultados. Se eu acreditar sem sombra de dúvidas que vou passar num exame, e estudar com esse objectivo, é natural que tire melhor nota simplesmente porque o meu estudo foi mais concentrado e atento; enquanto que se estiver numa total depressão nervosa dificilmente me vou concentrar. O problema é que, ao ter boa nota no exame, posso agradecer ao Segredo e a minha inegável ligação com as mais poderosas energias do Universo, ou posso ser capaz de perceber que o crédito é simplesmente meu.

O Segredo, e outras ideias sobre pensamento positivo, baseiam-se na ideia de que ao termos pensamentos positivos e ao darmo-nos bem com toda a gente, atraímos magicamente energias semelhantes para o nosso corpo. Mas será preciso uma explicação mágico-energética para um fenómeno tão óbvio? Claro que se eu andar pela rua a maltratar e esmurrar todas as pessoas que encontro, incluindo família e amigos, toda a gente me vai responder na mesma moeda; mas se for simpático e tratar melhor as pessoas, terei mais probabilidades que as outras pessoas sejam simpáticas para comigo.

Isto resulta até certo ponto, porque a partir do momento em que deixamos o domínio das outras pessoas e daquilo que pode realmente “responder” aos estímulos que recebem da minha parte, entramos no campo da demência. Se eu pensar positivamente em relação a ganhar a lotaria, será razoável pensar que tenho mais probabilidades de ser premiado? (e aqui levanta outra questão curiosa: e se TODA a gente pensar positivamente que vai ganhar a lotaria ao mesmo tempo? Como é, o Universo escolhe quem ganha e quem perde?) Se eu quiser mesmo mesmo mesmo ter um carro desportivo, será que o vou receber? O universo dá carros desportivos assim, desta maneira? Se eu tiver a certeza no meu coração que vou arranjar um emprego maravilhoso, será que vou mesmo? Provavelmente, mas ainda resultará melhor se eu comprar mais bilhetes da lotaria, ou poupar para comprar o carro, ou for à entrevista de emprego com um currículo impressionante. Não há nenhum poder universal e cósmico a reinar o Universo, muito menos a controlar se ganhamos o carro que queremos ou não. Há sim, da nossa parte, uma predisposição para trabalhar mais e melhor ou atingir um melhor desempenho quando o que está em jogo são coisas que queremos ou gostamos mais.

Mas como ninguém percebe isto, culpam O Segredo e outro tipo de programas e teorias das leis da atracção e dos pensamentos positivos, porque até parece fazer sentido. É o mesmo truque de igrejas como a IURD, que publicitam a sua mensagem utilizando comoventes casos de vidas transformadas para melhor pelo poder de Jesus. “Agora tenho uma casa própria, um emprego e o meu filho já não me bate” é apenas um exemplo. Tenho uma dor de cabeça. Se eu tomar uma aspirina e ao mesmo tempo rezar ou utilizar o meu pensamento positivo para acreditar no meu coração que a minha dor de cabeça vai ficar curada, o que curou a minha dor de cabeça? A aspirina ou as energias cósmicas do pensamento positivo?

O bom do Segredo, como aliás de qualquer teoria sobre “pensamento positivo”, é que pode ser testado. A razão porque as pediatrias de todo o mundo ainda dão medicamentos às suas crianças em vez de aulas de como relaxar, pensar positivo e entrar em contacto com as energias do Universo é porque nada disso salva vidas. Bastaria colocar 100 crianças de um lado, com a sua medicação regular, e 100 crianças do outro, sem qualquer meditação mas com doses elevadas de pensamento positivo, e esperar pelos resultados. Claro que ninguém fará isto, muito menos quem defende este tipo de “teorias”, porque seria facilmente acusado de infanticídio.

Falo nisto porque encontro o mesmo padrão em todos os gurus das curas milagrosas, religiões ou técnicas do pensamento positivo: todos prometem curas milagrosas para as enfermidades mais terríveis, todos parecem estar interessadíssimos em que toda a gente fique curada, rica, ou totalmente feliz da vida, e todos (dizem) acreditar que o sistema DELES é que é inegavelmente o mais eficiente. O leigo que olhe para a variedade de opções que há por aí fica sem saber no que acreditar. Em Jesus? Num disco milagroso? No poder do pensamento positivo? No Segredo? Afinal, que raio de força é esta? E se é tão positiva, energética, e capaz de alterar para melhor a vida de uma pessoa, desde a estabilidade económica às curas de doenças e passando pelo bem-estar emocional, porque é que a totalidade da Medicina mundial não abraça estes métodos? Com certeza haverá mais pacientes curados e problemas resolvidos no mundo (e, consequentemente, lucro para quem o vender, se me quiserem acusar de tratar os médicos e cientistas de serem é agarrados ao dinheiro e fechados a novas ideias) se estas técnicas forem implementadas a nível mundial, em todos os hospitais, psiquiatrias e, caramba, postos da segurança social.

No entanto, tal como a metodologia, todas as técnicas milagrosas têm em comum uma aparente dificuldade em demonstrar os seus resultados. A única forma que nós leigos e simples mortais que desconhecem o poder supremo do Universo têm de obter informações sobre os resultados de tais fantásticas descobertas é por relatos de pessoa aqui e pessoa ali, “Ah, mas isto resultou com o meu primo” ou “Eu tinha gota e agora já não”. Seria de esperar que a demonstração de tão evidente forma de curar milhões de tudo e mais alguma coisa não seria difícil de conseguir. No entanto, parece que a única forma de termos acesso a este tipo de curas e fenómenos cosmológicos e energéticos é inscrevermo-nos nas respectivas religiões, centros de ajuda espiritual, workshops ou cursos intensivos. Se eu tivesse algo que pudesse salvar a vida de milhões nas minhas mãos e mudar o mundo da medicina ao mesmo tempo contactava o comité Nobel e as grandes Universidades mundiais, e não um publicitário.

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