segunda-feira, 26 de julho de 2010

Um apelo: vamos combater a ignorância científica (e a pulseira)

Com certeza que se forem pessoas atentas e preocupadas com o vosso bem-estar físico e emocional já ouviram (e se calhar já viram ser usada ou já usam até) as novas pulseiras do equilíbrio. Se já tiverem uma, são um dos 20 mil portugueses que já as adquiriram desde Dezembro passado. Se não tiverem uma, sintam-se desactualizados e anti-sociais: estrelas como Cristiano Ronaldo e outros desportistas de topo popularizaram e catapultaram as pulseiras do equilíbrio para um estatuto de inegável utilidade prática.

O que é a pulseira do equilíbrio? Trata-se de um objecto em forma de pulseira (claro), que confere ao utilizador extremos e automáticos benefícios do ponto de vista da flexibilidade, do fluxo sanguíneo, da força, bem-estar, equilíbrio emocional e outros que tais. Quem me conhece sabe que vejo este tipo de produtos com cepticismo, mas estou preparado a dar a oportunidade de ser convencido. Qual será a explicação para este produto tão incrível?

Orlando Russo, o representante em Portugal da Power-Body (uma das três marcas destas pulseiras), é um gajo simpático e explica-nos como tudo funciona. Cito:

A Power-Body, criada no final de 2009 por um cientista da NASA, é uma pulseira de silicone cirúrgico, anti-alérgico, antibacteriano, com dois hologramas quânticos embebidos numa frequência com iões negativos, que, ao estar em contacto com o nosso corpo, estabiliza a nossa frequência. Tem a ver com a quântica.

Se não franziram as sobrancelhas pelo menos cinquenta vezes ao ler o último parágrafo é porque são menos desconfiados do que eu. Este não é o primeiro produto a ser vendido como tendo benefícios por causa “da quântica”, um dos ramos da física que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não serve exclusivamente para justificar muitos dos produtos de New Age que por aí andam. A física quântica, que estuda os constituintes da matéria à escala mais minúscula conhecida, nada tem que ver com aplicações práticas com a nossa “frequência” (o que quer que isso seja). Da mesma forma, ninguém percebe muito bem o que são dois “hologramas quânticos”, e a razão de estarem embebidos em iões negativos.

No site da marca, pode ler-se ainda que…

Estudos científicos, bem como testes práticos específicos, provam o poder da energia quântica presente na Power-Body® quando em contacto com a energia do nosso corpo.

Ora, alguém que tenha tirado sequer o nono ano de escolaridade saberá que não existe nenhuma “energia quântica” (são quatro os tipos de energia no Universo: a gravítica, a electromagnética, e as forças nucleares forte e fraca). Curioso que todos os “estudos científicos” conduzidos para “provar” a efectividade da pulseira tenham ainda encontrado, sem dizer nada a ninguém, uma quinta forma de energia no Universo.

O jargão científico mais complicado é utilizado, conjugado e pintado com um discurso apelativo e aproveita-se da geral ignorância científica da população para vender algo que nada tem que ver com ciência; mas como a maioria das pessoas não sabe sequer que não existem hologramas quânticos, acham o discurso o máximo. Nem sequer o compreendem, mas pensam que se o vendedor das pulseiras é capaz de se sair com um discurso tão fluido sobre temas tão complexas, é porque terá alguma razão. A física quântica é utilizada porque apenas um grupo restrito de pessoas actualmente consegue compreender sequer a totalidade das aplicações e implicações desta ciência; assim, os vendedores utilizam um ramo da ciência que pouca gente compreende para dar um falso prestígio aos seus produtos, da mesma forma que os maus livros e filmes de ficção científica enfiam qualquer palavreado científico nos seus diálogos para explicar as tecnologias ou acontecimentos extraordinários do futuro (ainda hoje, no filme “O Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado”, uma personagem explicava a outra que conseguia transmitir os seus poderes a outras pessoas por causa de uma “agitação nas moléculas”). Se eu disser que a frequência do meu blog é transmitida num comprimento de onda que entra em sintonia herztiana com as vibrações naturais e eléctricas das moléculas sub-atómicas dos neurónios do leitor, permitindo que este experiencie um completo equilíbrio no seu PH e consequentemente um equilíbrio emocional resultante do encontro de três vibrações holográficas cerebrais, alguém me levará a sério?

Divago; voltemos à pulseira. Não haverá então testes científicos que comprovem a sua efectividade? Uma atenta exploração do site citado acima conduz-nos apenas a alguns “Testemunhos”, que consiste em membros de bandas, desportistas e actores a dizer o quanto a pulseira é uma maravilha. Outra secção, no entanto, apresenta o TESTE POWERBODY. O muito científico e rigoroso teste foi captado em vídeo.


O rigor é extenuante. O cientista responsável pela investigação é visto a apresentar o produto que está a testar com um “tarãn”, e os risinhos generalizados e a postura generalizada de risota só comprovam que a pulseira traz não só equilíbrio físico mas também muito bom humor. É óbvio que o cuidado e rigor presente na experiência científica absorveu todo o orçamento, porque a qualidade do vídeo é idêntica à de qualquer vídeo caseiro feito entre amigos a beber cerveja.

Outro momento divertido do “teste” é ver o rapazinho louro a deixar-se cair na primeira tentativa e, na segunda vez já com a pulseira, a fazer uma força descomunal para se manter de pé, isto se esquecermos o mais óbvio facto de que a segunda vez o rapazinho louro já sabia o que lhe ia acontecer, e poderia reagir apressadamente ao (já não tão) súbito puxão.

O site da marca não apresenta qualquer link ou referência para nenhum dos “estudos científicos” que “provam” que a pulseira resulta; mas se podemos testar por nós mesmos o poder dos hologramas quânticos, porquê esperar que alguém certificado nos venha dizer que sim senhor, aquilo funciona? E porquê esperar de uma marca que se quer levar a sério a publicação no seu site oficial dos testes científicos que citam tantas vezes para vender o seu produto? Confesso, sou eu que sou exigente demais. Afinal, porquê preocupar-me com isto? Não é mais uma treta New Age que depressa desaparecerá quando as pessoas forem lentamente abandonando a moda?

Não.

Orlando Russo, o tal representante de uma das marcas de pulseiras, sente-se ambicioso e declara com orgulho que vão tentar meter as pulseiras nas farmácias. Talvez faça todo o sentindo colocar uma pulseira alimentada a uma forma de energia que nem sequer existe ao lado dos medicamentos que realmente funcionam; inteligente estratégia de marketing, partindo o princípio de que as farmácias só venderiam medicamentos e outros produtos que fossem certificados e preparados especificamente para determinado fim, desde o mais eficiente analgésico ao rebuçado da tosse. Uma vez que nem a própria distribuidora da pulseira nos consegue explicar especificamente que provas terão quanto à efectividade do produto, espero que algum tipo de autoridade do nosso país esteja a controlar este tipo de investidas da indústria New Age num domínio que não lhe diz respeito, misturando-se com os medicamentos sérios e que (coisa pequena) funcionam realmente.

Seja; ponham as pulseiras ao mesmo nível que os antibióticos. Ponham também à venda nas farmácias “O Segredo”, ou cristais, ou banha da cobra, ou livros de ajuda espiritual, talismãs e pêndulos. Tudo isso resulta para muitas pessoas, certo? Então porque não dar-lhe o mesmo lugar nas farmácias que a pulseira? Se isto for para a frente, se estas pulseiras passarem a ser vendidas nas farmácias, se ninguém levantar um dedo para questionar a onda de pessoas que garantem pela sua saúde que a coisa resulta, se a ignorância científica generalizada e a sua aparente falta de cepticismo e capacidade para duvidar do que quer que um representante de uma marca disser, e se os famosos atletas mundiais continuarem ser, mais do que qualquer confirmação científica, um dos critérios para que milhares corram à procura de um produto destes; se tudo isto acontecer, se todos estes factores se estão a encontrar, não seria altura de alguém no nosso país agir de maneira a evitar que as nossas farmácias se transformem em autênticas lojas de bruxaria e medicinas alternativas?

Isto é urgente, minha gente: é um problema de educação, porque da mesma forma que devemos ensinar os nossos miúdos que não se deve aceitar doces de desconhecidos e que devem ter cuidado para não serem levados pela publicidade enganadora, é também importante prepará-los com uma bagagem que garanta que olharão para este tipo de coisas com um franzir de sobrolho e não com uma ida à farmácia comprar imediatamente as bugigangas movidas a energias mágicas.

(Li um artigo sobre isto na revista “Domingo” do Correio da Manhã de hoje. Links:

http://www.power-body-usa.com/pt/ )

3 comentários:

Ana disse...

Só recentemente ouvi falar desta pulseira "mágica" e estou completamente de acordo contigo! Opá não faz sentido nenhum. Quando perguntei a uma pessoa que tinha a pulseira porque é q era tao especial ela falou-me dos tais hologramas: Não faz sentido! Enfim... É mais uma coisa para fazerem dinheiro...

Renato Rocha disse...

Nunca pensei que alguém fosse mesmo falar dos hologramas para justificar a pulseira! Também tenho de inventar uma treta toda científica para obrigar as pessoas a ler o meu blog.

Rui disse...

Eu ate já vi jogardes de NBA a usar 2 pulseiras em casa braço... Que grande estupidez!!!