domingo, 1 de agosto de 2010

O Homem que Reconhecia as Mulheres pelo Rabo (parte 1 de 4)

O homem que reconhecia as mulheres pelo rabo não sabia de onde surgira o seu estranho dom: reconhecia mais facilmente uma mulher não pela sua cara, nome ou voz, mas sim pelo seu rabo. Um mínimo e fugaz avistamento da traseira de qualquer rapariga permitia-lhe identificá-la ou, em determinados casos, garantir que não a conhecia.

Em pequeno, na escola, ouvia da professora porque passava as aulas a olhar para o rabo dela e não para as complicadas contas de multiplicar no quadro. Os seus pais foram chamados à escola, ouviram pacientemente as queixas do director, mas asseguraram que nada poderiam fazer. Levaram até um atestado médico, passado pela psicanalista do rapaz, que explicava a triste situação da criança.

A própria psicanalista não conseguia compreender o porquê do fenómeno. Há algum tempo que trabalhava com o rapaz, efectuando testes mensais para avaliar os avanços ou recuos da terapia. Nesses testes, apresentava ao rapaz vários pares de fotografias de caras femininas. Em cada par, havia uma cara famosa e uma cara anónima. A psicanalista pedia ao rapaz que as distinguisse, dizendo qual delas pertencia à celebridade. De seguida, apresentava outro par de fotografias, uma do rabo da celebridade e outra do rabo da mulher desconhecida. Foi com surpresa que constatou que o rapaz não conseguia dizer qual delas era a famosa pelas caras, mas sim pelas fotografias dos rabos. Fez o mesmo teste com caras e rabos de homens, e o resultado foi surpreendente: o rapaz era perfeitamente capaz de distinguir o homem anónimo do famoso pela cara, mas não pelo rabo. Este paradoxo pareceu estranho à psicanalista, que a princípio pensou tratar-se de invenção do rapaz. Porém, depois de várias semanas de terapia, conversou com os pais do rapaz e colocou-lhes a situação da seguinte forma: ou se tratava de uma qualquer mutação genética ou de qualquer mal funcionamento químico nas sinapses e nervos ópticos do rapaz. A explicação, portanto, deveria ser totalmente explicada pela medicina ou neurologia, e não pela análise psíquica. Nenhum trauma ou desgosto mal resolvido no subconsciente do rapaz poderia explicar tal desvio para os traseiros.

A situação também embaraçava e entristecia os pais do rapaz, que temiam levá-lo ao supermercado, a um concerto, a jantares de amigos, tais eram as situações embaraçosas que dai resultavam. O rapaz, incapaz de reconhecer as amigas dos pais pelas respectivas vozes ou caras, tinha sempre a necessidade de dar a volta e ir espreitar-lhes o rabo antes de finalmente perceber quem o cumprimentava. Algumas amigas do casal já achavam normal e não se ofendiam com a situação. Os amigos mais íntimos da casa, quando lá iam jantar, entravam de costas na casa e não de frente, para saudar o anfitrião mais novo.

Apesar do comportamento de respeito e carinho de certos familiares e amigos, o rapaz cresceu tristonho, sentindo-se à margem da sociedade. Em adolescente, recebia estaladas periódicas das colegas de turma, porque a sua necessidade de olhar para debaixo das mini saias para as reconhecer era mais forte que ele. Os conselhos executivos de todas as escolas que frequentou exigiram explicações aos pais, que não se cansavam de repetir a mesma verdade e mostrar o já amarrotado atestado médico.

Nunca teve namoradas. Apaixonou-se várias vezes, mas sempre que tentava tirar uma fotografia para recordação da sua amada, apontando a objectiva para o respectivo traseiro, a pretendente chamava-lhe nomes e afastava-se indignada. Cresceu solitário, portanto. O único amigo que teve foi um cachorro chamado Caudinhas, que os pais lhe ofereceram num Natal. Fascinavam-lhe os cães de qualquer raça ou tamanho, porque se identificava com eles. Uma vez em pequeno viu um cão a cheirar o rabo de um segundo, e questionou o pai sobre aquilo. O pai explicou-lhe que era a versão canina do aperto de mão, e desde aí o rapaz passou a sentir-se mais perto dos cães do que dos humanos. Apenas eles conseguiam compreender inteiramente a sua condição, pensava ele.

Sozinho no mundo e cada vez mais anti-social, o já homem saiu de casa dos pais para seguir a sua vida de adulto e procurar um rumo para a sua vida. A mãe beijou-o na face, comovida. Pediu-lhe para ter cuidado, para sonhar com o mais alto e não se conformar com o que não merecia. Relembrou-lhe para ter cuidado com os rabos das senhoras, principalmente quando as começava a conhecer, e fê-lo jurar que nunca, jamais, se deixaria ser gozado pelos outros devido à sua condição. O pai abraçou-o fortemente, e disse-lhe ao ouvido que tinha orgulho, muito orgulho dele. O homem despediu-se dos pais e pegou na sua mala de couro. Partiu.

Arranjou uma casa pequena no centro da cidade. A senhora que lhe alugava o apartamento tinha um rabo elíptico, ligeiramente assimétrico à direita, e com três degraus de gordura dentro das calças. Esforçou-se para a olhar nos olhos, se bem que aquela cara não lhe dissesse muito e soubesse que da próxima vez que a visse não seria capaz de a reconhecer senão através do que estava atrás e não à frente.

Na sua primeira noite sozinho, com frio e saudades de casa, o homem ficou a olhar para as estrelas da sua pequena janela. Agora que se fazia à vida, precisava encontrar um emprego, um meio de subsistir; o que não era fácil, na sua condição. A única forma era arranjar um emprego que não incluísse mulheres ou, pelo menos, onde não precisasse de decorar a cara de nenhuma delas, pois o seu problema estava não na primeira vez que as via mas sim na segunda e restantes, altura em que olhar para o respectivo rabo era essencial para reconhecer a senhora em questão. Pensou, pensou, até que adormeceu sem resposta.

No dia seguinte acordou bem cedo, e decidiu que o melhor por onde começar era pelos Classificados. Desceu à rua em busca de um quiosque, sem antes dar com uma senhora simpática que o cumprimentou no elevador. Cavalheiro, segurou-lhe a porta do elevador e deixou-a passar com um “Faça favor”; e com uma pequena inclinação de cabeça e aproveitando um momento de descuido da senhora, espreitou para o seu traseiro e reconheceu-a: era a senhora que lhe alugara o quarto. Despediu-se, cumprimentando-a pelo nome agora que a reconhecera, e saiu do prédio.

Pela rua não precisou de olhar para traseiro nenhum, porque sabia que não ia encontrar nenhuma conhecida naquela parte da cidade. Desceu uma rua até ao quiosque mais próximo e passou os olhos pelos jornais. Lia as manchetes apressadamente, esperando ser atendido pelo dono do quiosque que estava a devolver um troco a um senhor de idade. Quando finalmente o senhor de idade se foi embora e o dono do quiosque se virou para o homem para o cumprimentar e perguntar o que desejava, o homem estava distraído e ignorou-o. Os seus olhos estavam presos à capa de uma revista, pendurada por um gancho a uma pequena grade junto aos brindes dos jornais e às revistas pornográficas. Na capa da revista estava uma mulher virada de costas, olhando com ar maroto na nossa direcção e arrebitando o rabo redondo e esbelto. O nome da revista era Rabos da Semana. Perguntou ao dono do quiosque do que se tratava, e ele respondeu que era mais uma daquelas revistas com mulheres seminuas, só que especializada em rabos. Não querendo fazer passar-se por tarado, o homem pagou a revista e trouxe-a para casa, mas comprou também o jornal de economia e uma pastilha de morango.

- Sou contabilista – sentiu a necessidade de explicar.

- Claro, claro – respondeu-lhe o dono do quiosque ao devolver-lhe o troco.

Chegou a casa numa correria, largou a pastilha e o jornal de economia em qualquer sítio e assim que se sentou na sua cama folheou avidamente a Rabos da Semana. A revista estava repleta de fotografias de belas mulheres seminuas, todas elas mostrando orgulhosamente o seu rabo. O homem não estava, ao contrário do que se possa pensar, a folhear a revista com propósitos sexuais. Aliás, para ele os rabos nunca haviam sido aquele espanto que pareciam ser para os outros adolescentes da sua idade. Eram apenas bilhetes de identidade.

Olhando para cada rabo, procurou pela revista os nomes das modelos, para assim associar cada rabo à respectiva identidade; mas reparou com decepção que só uma das raparigas (a protagonista da rubrica O Rabo da Semana, dedicado a gente famosa a mostrar o rabo) é que estava nomeada. Todas as outras apareciam sem nome, no mais completo anonimato. Aliás, em muitas das fotos de rabos nem a cara da rapariga aparecia. Decepcionado, o homem pôs a revista de lado.

Uma semana se passou, e a procura por emprego desesperava-o cada vez mais. Sem habilitações ou currículo, poucos eram os que lhe marcavam entrevistas; e logo por azar, em todas as entrevistas que fizera fora entrevistado por uma mulher. Todas elas, para seu azar, o cumprimentavam, entrevistavam e se despediam sempre sentadas às suas secretárias. Incapaz de lhes ver o rabo, era incapaz de as reconhecer. Em desespero, pensou até regressar para casa dos pais. Talvez aí pudesse equilibrar a sua vida, encontrar um emprego com calma e sem as responsabilidades da vida adulta e independente; mas no mesmo dia em que decidira ser a última vez que procuraria emprego antes de ligar aos pais, viu a nova edição da Rabos da Semana nas bancas; e surpreendeu-se.

O rabo que estava na capa era igualzinho a um que já vira antes. Reconheceu-o da edição da semana passada; no entanto, a capa dessa semana dizia em letras gordas: “Rabos NOVINHOS EM FOLHA!” Pagou a revista e, indignado, regressou a casa preparando-se para a folhear.

A surpresa foi grande. Lá dentro, a cada rabo que passava a sua indignação crescia. As manchetes espalhadas pelas páginas eram de novidade, de exclusivos, de nunca antes vistos; mas a verdade era que todos os rabos ali publicados não eram novos: eram exactamente os mesmos da edição anterior, só que fotografados em posições diferentes e com iluminação distinta, para enganar. O homem, esse, não podia ser enganado. Lembrava-se de todos os rabos, de todas as nádegas, de todas as curvaturas e de todos os tons de pele da revista passada, e podia garantir a quem o quisesse ouvir que aqueles rabos, todos eles, eram exactamente os mesmos que na edição precedente.

A sua indignação cresceu ao ponto de se levantar da cama e preparar-se para ir até ao quiosque exigir o seu dinheiro de volta, mas depois de alguns momentos de reflexão apercebeu-se que a culpa não era do dono do quiosque, mas sim dos editores da revista. Seria uma conspiração? Afinal, porquê repetir os mesmos rabos todas as semanas, acrescentando-lhes etiquetas a dizer “NOVIDADE”, senão para poupar nas modelos e ganhar nos lucros de venda? Apesar da sua presente situação financeira, o homem decidiu pôr já de lado o valor da revista, guardando as moedas dentro de uma gavetinha na sua mesa-de-cabeceira. Esperaria mais uma semana, por mais uma edição da Rabos da Semana, para assim confirmar (ou não) as suas suspeitas.

A procura de emprego deixava-o cada vez mais em baixo. Escrevera até aos seus pais denunciando-lhes as condições precárias em que vivia, pedindo-lhes ainda um pequeno empréstimo, o qual pagaria assim que encontrasse um emprego. Dois dias depois recebia uma carta de casa, repleta de amor e compreensão, e acompanhada de algumas economias. Sabendo que se tratava de parte do pé-de-meia dos seus pais, o homem lacrimejou e comoveu-se; mas ultrapassada a emoção, engoliu em seco e sentiu-se revigorado. A fé dos seus pais nas suas capacidades faziam-no acreditar ainda mais que o futuro estava prestes a chegar.

Passou-se uma semana. O futuro não lhe trouxe emprego, mas trouxe ao invés a nova edição da Rabos da Semana. Para evitar levantar suspeitas, comprou a nova edição da revista num quiosque diferente, mas a surpresa foi a mesma da semana passada.

Desta vez, a capa vinha toda decorada de azevinhos e neve, uma vez que se aproximava o Natal; e em letras natalícias, estava escrito: “OS MELHORES RABIOSQUES DESTE NATAL”. O homem olhou pormenorizadamente para o rabo da capa, mas uma análise superficial foi bastou. Reconheceu imediatamente aquele rabo: vira-o nas últimas edições da revista. O rabo da Mãe Natal, a estrela da capa, aparecera na semana passada, e há duas semanas atrás. Folheou a revista, estudou cada rabo, cada fotografia; e constatou com surpresa que se tratavam dos mesmos rabos de sempre. Os editores cometeram até a ousadia de, numa reportagem sobre os 10 melhores rabos da quadra natalícia, repetirem três, em ângulos diferentes. Ao homem bastou um olhar de esguelha para perceber que os 9º, 7º e 5º lugares tinham sido atribuídos exactamente ao mesmo rabo.

Indignado, abriu a revista na primeira página, junto ao editorial, e copiou a morada da redacção para uma folha de papel. De seguida pousou a revista, parou para pensar um pouco e logo se pôs a escrever:

Caros Editores da Rabos da Semana

Sou um leitor da vossa revista há apenas 3 semanas. Dou-vos os parabéns pela qualidade das vossas fotografias, mas confesso que não posso deixar de me indignar com um facto com o qual me dei conta: as vossas edições integram exactamente os mesmos rabos, de semana a semana. Pior, fazem-no com o maior dos descaramentos, fazendo-os passar por rabos exclusivos e novidades da estação. Não posso deixar de me sentir enganado como leitor, e tenho a certeza que outros fãs da vossa revista sentiriam o mesmo se isto chegasse aos seus ouvidos.

Parabéns pela revista.

Cumprimentos

Um leitor

Colocou a carta num envelope, selou-o com uma lambidela rápida e preparou-se para sair de casa. Assim que abriu a porta para o patamar, coincidência das coincidências, deu de caras com um rabo. A sua vizinha da frente (reconhecia-a, pois estava de costas para si a tentar trancar a porta) parecia também preparar-se para sair de casa. Quando esta o ouviu, virou-se com uma pirueta e fitou-o, assustada.

- Boa tarde – disse ela, timidamente.

- Boa tarde – disse o homem, sorrindo. Mas havia algo estranho. A rapariga parecia olhar para ele com uma certa curiosidade assustada.

- Já nos conhecemos? – perguntou ela, depois de uma breve pausa.

- Sim, penso que sim – respondeu o homem, com outro sorrio. Sim, conheciam-me. Já a tinha visto uma ou duas vezes, cruzando-se com ela no elevador. Ela, por sua vez, não parecia reconhecê-lo.

- Mudou-se há pouco tempo? – perguntou ela.

- Sim, há três semanas, sensivelmente.

Ela sorriu e disse que sim com a cabeça. Houve uma longa e embaraçosa pausa.

- Bem, vou andando – disse ela, com outro aceno simpático.

- Sim, claro, eu também – respondeu o homem, devolvendo-lhe um sorriso. Abriu a porta do elevador, deixou-a passar como um cavalheiro e só depois entrou. Desceram sem trocar palavra e, ao saírem do prédio, sorriram-se uma última vez e cada um foi para seu lado.

O homem desceu a rua até ao marco do correio e colocou lá o envelope, corajosamente. Sentindo que estava de certa forma a fazer justiça, respirou fundo e sentiu orgulho; foi até ao quiosque mais próximo comprar os Classificados e regressou a casa.

De rabo para o ar a tentar abrir a porta do prédio, foi surpreendido por uma voz atrás de si que o cumprimentou.

- Já de volta? – perguntou uma rapariga, de voz jovial. Virando-se, o homem deu de caras com uma rapariga de chave na mão que parecia conhecê-lo, porque lhe sorria simpaticamente. Infelizmente ela estava de frente para ele, pelo que não fazia a menor ideia de quem se tratava. Seria sua vizinha?

- Ah… Sim, boa tarde! – disse ele simpaticamente, procurando uma pista para a identidade da rapariga, que lhe continuava a sorrir.

- Pelos vistos temos horários parecidos – disse a rapariga com outro sorriso, a guardar a chave que trazia na mão. O homem forçou um sorriso também, e acenou afirmativamente apesar de não estar a perceber nada da conversa. Para sua salvação, a porta do prédio abriu-se finalmente e ele empurrou-a.

- Faça favor – disse ele à rapariga, com um sorriso cavalheiro. Segurando-lhe a porta, a rapariga entrou antes dele, o que o aliviou: teve dois segundos para espreitar de esguelha o rabo da rapariga enquanto esta lhe passava à frente, e finalmente a reconheceu: era a sua vizinha do lado.

Subiram juntos no elevador. Ela parecia agora reconhecê-lo, pelo menos muito mais do que naquela manhã. Trocaram trivialidades simpáticas até chegarem ao seu andar. O homem fez o gesto cavalheiro da porta outra vez, desta vez evitando olhar para o rabo para não ser apanhado e mal interpretado. Cada um se dirigiu à sua porta e olharam-se pausadamente, sorridentes. Até que, para surpresa do homem, a rapariga lhe perguntou, depois de um momento de hesitação:

- Não sei se me leva a mal, mas… Já tomou o pequeno almoço? Gostaria de tomar café comigo?

O homem corou de forma estrondosa, mas sorriu envergonhadamente e aceitou.

- Sim, teria todo o gosto. Se não for muito incómodo, claro.

- Não é incómodo nenhum, entre! – disse a rapariga com um sorriso, virando-se de costas para ele e abrindo a porta de casa. Mais uma vez o homem pode olhar para o rabo da rapariga e pela primeira vez na sua vida, desde que olhava para rabos de raparigas e mulheres, sentiu ao olhar para aquele uma sensação diferente e agradável. Havia algo naquele rabo que o intrigava e o atraía. Algo que lhe fazia sentir que aquele rabo tinha qualquer coisa de diferente. Que não era apenas um rabo, só mais um rabo. A rapariga abriu a porta e ele entrou atrás dela, envergonhado mas curioso.

A casa da rapariga era agradável. Toda em tons de laranja e castanho, parecia uma loja de artigos orientais, repleta de velas exóticas e de um forte cheiro a incenso. O homem estava longe de ter uma decoração tão pessoal em sua casa, pelo que se sentiu deslocado; mas sentou-se a convite da rapariga num dos sofás repletos de almofadas, de rabo na pontinha do sofá e costas muito direitas. A rapariga estava mais à vontade, sorrindo-lhe simpaticamente.

- Quer chá? Um iogurte natural? – perguntou ela, prestável.

- Ah, não, muito obrigado – respondeu ele com outro sorriso. Sentia as palmas das mãos a transpirar.

- Desculpe, a casa está algo desarrumada… - disse ela, ajeitando algumas almofadas para se poder sentar num outro sofá decorado com motivos florais.

- De modo nenhum, acho-a até bem bonita.

- E a sua casa? Como está decorada?

O homem não soube o que dizer. Todas as suas preocupações económicas haviam-no distraído e tirado tempo para a decoração da casa. Actividade na qual, pensava o homem, ele não era grande coisa. Não quis, no entanto, fazer má figura à frente da rapariga:

- Ainda não está bem como eu gostaria, infelizmente… Mudei-me para cá há pouco tempo, ainda estou à procura de emprego… Isso tem-me retirado tempo para a casa, para as decorações… Essas coisas.

- Claro, compreendo. – respondeu a rapariga – Procura emprego em que área?

O homem pensou durante alguns segundos, com medo de se humilhar. No entanto, decidiu ser honesto:

- Nenhuma. Digamos que estou aberto a sugestões – disse ele o mais descontraidamente possível. Na verdade não estava nada descontraído. Suava abundantemente e o seu rabo começava a ficar dorido de estar sentado na borda do sofá.

- Ah, isso é óptimo. É como eu, então… Felizmente encontrei emprego facilmente, numa loja de roupa feminina.

- A sério?

- Sim – disse a rapariga. – Foi o único emprego que consegui encontrar em que… - mas calou-se de repente.

- Sim, diga…?

- Bem, nada… Ia dizer alguma tolice. De certeza que não quer chá? – disse ela outra vez, sorridente como era hábito.

O homem recusou educadamente, e com um movimento suave deslizou o rabo para uma posição mais confortável no sofá. Conversaram durante alguns minutos, mas em contexto algum o homem referiu a sua condição limitante. Meia hora depois despediram-se e o homem voltou para sua casa.



O homem que reconhecia as mulheres pelo rabo vive momentos complicados. Saído de casa dos pais, pouco tem a fazer senão encontrar um trabalho; porém, o seu estranho dom e maldição de apenas conseguir reconhecer as mulheres ao avistar os seus traseiros é um travão ao que podia ser uma vida normalíssima. Poderá o protagonista levar alguma vez uma vida normal? Tudo indica que não, senão a história era um tédio e ficávamos com mais três episódios em que nada acontecia. Não percam a segunda parte desta épica saga já amanhã.

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