quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Smith e as Sereias - episódio 3

Previamente, no segundo episódio de Smith e as Sereias, o marujo Smith (que engravidara Ariel, a filha do Rei dos Mares, e que por isso foi levado por Poseidon para o seu reino sub-aquático onde viria a trabalhar e cumprir as suas obrigações de marido e pai) vê o Palácio Real pela primeira vez, mais ou menos na altura em que o Titanic naufraga e cai em cima da ala oeste do palácio, esmagando-a. Acompanhando o barco surge um misterioso rapaz louro, que implora por encontrar a “sua Rose”; e para dificultar a vida a Smith, uma sereia de cabelos louros engraçou com ele. Resta à comunidade sub-aquática reconstruir o Palácio e descobrir quem é o rapaz louro.


Dentro do navio que estava a ajudar a limpar estava um cofre. Sempre fui curioso, e sempre gostei de cofres porque é lá que se guardam coisas de valor. Sentimental, claro está. Além disso, tinha tido a sorte de estagiar numa loja de ferragens. Aquela tranca era fácil de abrir. Agarrei numa pedra sub-aquática e parti a fechadura.

Lá dentro estava um desenho fantástico de uma mulher fantástica, que por sorte estava despida. Os seus mamilos eram pequenas manchas de carvão muitíssimo bem aplicadas.

- Smith? – perguntou uma voz atrás de mim.

- Olha que giro, encontrei aqui um boneco qualquer desenhado e… ui, é um retrato de uma mulher nua! – fui extremamente convincente. Virei-me. Era a sereia loura.

- Queres entrar na aposta? – perguntou ela.

- Desculpa?

- Na aposta que anda por aí. Tom Cruise ou Heath Ledger?

- O rapaz? Não sei, sinceramente.

- Quem é essa mulher? – a sereia aproximou-se nadando, e olhou por cima do meu ombro para o retrato.

- Não faço a mais pequena ideia. Mas é um bom desenho. Talvez o leve para o meu quarto, para, hum, apreciação artística.

A sereia riu-se e olhou para mim com um par de olhos azuis profundos.

- Há bocado elogiei-te e tu não me ligaste nenhuma.

- Há bocado?

- Sim, no último episódio.

- Ouve, eu… – a sereia mexeu-se de uma forma propositada e sugestiva que me fez dirigir o olhar desde a ponta da sua serpenteante cauda de peixe até ao seu decote enfiado no meio de dois corais azulados, côncavos e atraentes – O que é que eu estava a dizer?

- “Ouve eu”.

- Ouve, eu estou mais ou menos comprometido com a Ariel. Vou ser o pai da sua criança. Genro de Poseidon, o Rei dos Mares. Com tudo o que isso implica.

A sereia aproximou-se de mim e fingiu estar a ajeitar-me o colarinho da camisola.

- Tu achas que alguém está à espera que um jovem humano atraente como tu venha viver para um palácio destes, cheio de salas e recantos inutilizados e frequentemente desertos, rodeado por sereias atraentes e jovens, achas mesmo que alguém, dizia eu, está à espera que vivas uma existência monogâmica e fiel?

Os conflitos entre aquilo que eu queria pensar e aquilo em que eu estava realmente a pensar fizeram-me parar para pensar demais antes de responder.

- A resposta correcta é “não” – respondeu a sereia loura perigosamente perto da minha orelha direita, antes de nadar dali para fora deixando um aroma exótico na água gelada à minha volta.

***

Poseidon estava a dar indicações a torto e a direito, à medida que um cardume de peixes gordos e fortes com cordas agarradas à volta do seu corpo e presas ao corpo acinzentado do TITANIC procuravam nadar em frente e servir de reboque. Aproximei-me.

- Smith, ainda bem que te encontro. Começas desde já a trabalhar no teu Departamento de Relações Humanas. Quero que te dirijas à enfermaria e procures retirar alguma informação daquele humano, o tal de Heath Ledger. O que é que trazes aí?

Enfiei o desenho da mulher nua nas profundezas das minhas calças.

- São uns papéis das finanças.

***

A enfermaria era uma divisão dourada, com decorações nas paredes e uma série de camas feitas de umas algas moles e confortáveis. Algumas sereias estavam por lá estendidas, com ligaduras e curativos pelo corpo. Todas elas olhavam com curiosidade para o rapaz louro, mas quando entrei olharam para mim. Aproximei-me do rapaz louro, houve murmúrios à nossa volta.

- Olá – disse eu ao tal Tom Cruise ou lá como se chamava. Ele olhou para mim e procurou levantar-se.

- Preciso de encontrar a Rose. Ela corre perigo de vida!

- Quem é a Rose?

- É o amor da minha vida. Conheci-a a bordo to Titanic. Eu era pobre, ela rica. O nosso amor era proibido. Tivemos uma tórrida e suada cena de sexo dentro de uma viatura.

- E o que aconteceu?

- Nada, correu tudo bem. Ninguém nos apanhou e foi romântico.

- Não, o que aconteceu ao barco?

- Foi contra um iceberg.

- Poseidon está um bocado chateado, porque o barco lhe destruiu parte integrante de uma das alas do palácio. Acho que apanhou as cozinhas, os quartos dos criados e a sala de jogos.

- A culpa não foi minha, eu só quero encontrar a minha Rose – o moço louro queixou-se de qualquer coisa junto à barriga – Onde está a enfermeira?

- Boa pergunta – disse eu, olhando em volta, satisfeito pela possibilidade de ver sereias vestidas de enfermeiras – Também eu sou novo por aqui.

- Quem és tu?

- Chamo-me Smith e emprenhei a filha de Poseidon.

- Ah.

- Ela é a minha futura mulher. Tem cabelos ruivos longos e lisos, conchas lilases como soutien.

- Curioso, a minha enfermeira é tal e qual como o que acabaste de descrever.

Estava-se mesmo a ver onde isto ia parar. Ariel surgiu detrás de um armário com poções e algas medicinais, com um chapéu branco e uma bata vestida.

- Ariel, eu…

- O bebé está óptimo, se é isso que queres saber – disse Ariel friamente, aproximando-se do moço louro sem olhar para mim nos olhos. Espetou com uma dose de uma pasta verde numa ferida na cabeça do louro com alguma violência.

- Ainda bem, ainda bem. Fico feliz – disse eu – Ouve, queria que a nossa relação fosse um bocadinho mais trabalhada. Acho que não será bom para o bebé mantermo-nos nesta discussão infundada. Eu sei, engravidei-te. Eu sei, não sou a pessoa mais sensível – disse eu, olhando de soslaio para o decote de Ariel – mas quero que o nosso filho cresça num ambiente saudável.

Ariel atirou outra dose de gosma com toda a força para cima da ferida.

- Ouve, Smith. Eu não tenho nada contra ti pessoalmente. Irrita-me que me tenhas engravidado, claro. Irrita-me que não te tenhas lembrado de me defender à frente do meu pai.

- O teu pai tem trinta metros de altura e poderes mágicos – justifiquei-me.

- Isso não é desculpa. Eu não quero ter este filho. Tu queres, porque se esta criança não nascer voltas a representar não o marido da filha favorita do rei dos mares, mas sim o marujo pervertido que sempre foste.

- Ui – disse o moço louro.

- Por isso se me queres ajudar realmente está calado e deixa-me em paz.

Afastou-se, deixando-me de boca aberta.

- Espera! – pedi-lhe. Ela voltou-se – O nosso filho. Eu quero participar.

- Participar? Não achas que já participaste o suficiente? – perguntou-me ela.

- Ui! – disse o moço louro.

- A sério. Por favor avisa-me quando tiveres de fazer exames médicos ou qualquer coisa parecida. Onde vais fazer uma ecografia?

- Aqui mesmo na enfermaria, daqui a uns dias – disse Ariel, procurando por alguém e encontrando quem queria. Apontou – Com aquela médica.

Segui a indicação. Ao fundo da sala estava uma sereia loura, de olhos azuis, e com corais. Trocámos um olhar, ela piscou-me o olho. Corei; Ariel não reparou, até porque já me virara as costas.


(continua)


Todas as Terças e Quintas contem com novos episódios de Smith e as Sereias.

.

Sem comentários: