domingo, 12 de setembro de 2010

Qual é o problema de queimar o Alcorão?

A meu ver, nenhum; até porque, na América, qualquer pessoa pode expressar a sua opinião da forma que quiser, desde que não incite à violência. Isso inclui, claro, queimar livros. Neste caso, no entanto, o mundo ressurgiu-se contra aquele lunático indivíduo que, numa febre de ódio ou numa brilhante campanha de marketing pessoal, ameaçou queimar umas quantas cópias do Alcorão. Obama veio cheio de paninhos quentes na mão, reafirmando que este tipo de coisas ameaçam as tropas americanas no Iraque e no Afeganistão, e todo o mundo é unânime em condenar a tentativa do pastor em causa porque pode ser mal interpretada (aliás, pode é ser muito bem interpretada como o atestado de radicalismo religioso que é). Incluindo, claro, o mundo islâmico, que saiu à rua (ou pelo menos um numeroso grupo de representantes) para queimar bandeiras americanas e gritar aquelas coisas que sempre gritam quando a sua religião é minimamente ofendida a milhares de quilómetros de distância.

Isto tudo surge depois da estúpida controvérsia sobre o centro islâmico a não sei quantos quarteirões (já ouvi dois, já ouvi quatro, mas normalmente ouço “em cima”) do Ground Zero. Isto veio trazer uma série de fricções religiosas, com muita gente a criticar a decisão de Obama de permitir a construção do centro. Não me vou alongar, até porque já falei sobre isto antes. O que quero dizer tem que ver com o pastor e a sua queima.

Qual era o problema daqueles que estavam contra o centro islâmico em Nova Iorque? Em suma, faziam uma generalização exagerada e paranóica, metendo no mesmo saco uma religião de biliões de pessoas e as acções terroristas de um grupo extremista. É errado achar que por uns devem pagar os outros, e que o grupo extremista é, em alguma forma, um representante legítimo de uma religião ou de um país. Tenhamos isto em conta, então, quando vemos a reacção islâmica. Não estará a comunidade islâmica e, de certa forma, a opinião pública mundial, a fazer a mesma coisa?

O pastor Terry Jones é um daqueles evangélicos fanáticos e doentios, cuja noção de protesto é ilustrativa da sua personalidade distorcida (nem consigo imaginar qual seria a sua reacção se um grupo islâmico queimasse duzentas ou trezentas Bíblias numa fogueira). Não é, de todo, um representante digno da América, nem do cristianismo em geral. É um extremista com ilusões de grandeza, ponto. A importância dada a este caso revela uma tendência estranha: achar que este indivíduo poderia fazer mossa no já difícil equilíbrio religioso mundial.

E fez mesmo, porque a comunidade islâmica saiu ofendida para a rua e gritava “morte à América” como se o pastor em causa fosse alguém importante. Não há diferença entre quem tentou esmagar e atacar o islamismo através da controvérsia da mesquita em Nova Iorque e aqueles que dão uma importância mastodôntica a um desequilibrado mental evangélico.

Quer se goste quer não, o homem tem o direito de fazer a queima que quiser dos livros que quiser; e da mesma forma que o mundo Ocidental foi considerada retrógrada e intolerante ao criar a controvérsia sobre a mesquita, também a reacção islâmica ao pastor evangélico não dá mostras de grande amor pela tolerância religiosa. Não gosto nada da ideia de um cidadão, por mais demente que possa ser, ver as suas liberdades limitadas pelos protestos igualmente dementes de uns quantos islâmicos que gostam de queimar bonecos na rua e ameaçam a América com destruição em resposta a uma coisa que nós, Ocidentais, temos e eles não: a liberdade de expressão.

E mesmo os jornalistas, os políticos e os comentadores ocidentais devem olhar para estes lunáticos (o pastor evangélico, não os islâmicos) e pensar duas vezes antes de lhes dar tanto tempo de antena. Este homem era desconhecido, um zé ninguém, antes de ter uma ideia medieval; e agora é usado como exemplo de intolerância religiosa. Deixem o velho pastor viver o seu desequilíbrio sossegado, desde que não magoe ninguém; e tenham a coragem de ensinar aos islâmicos que as liberdades inofensivas de uns estão acima das ofensas mesquinhas de outros.

.

2 comentários:

Paulo39 disse...

"Qual é o problema de queimar o Alcorão? A meu ver, nenhum; até porque, na América, qualquer pessoa pode expressar a sua opinião da forma que quiser, desde que não incite à violência."

O problema é que ,precisamente, esse acto incita à violência, dos visados! Já se estava a ver que muitos fanáticos islâmicos iriam reagir com violência a esta notícia. Daí ser importante evitar, ou, pelo menos, não divulgar estes actos de intolerância religiosa.

É pena, e aí concordo contigo, é que os media americanos estejam tão sequiosos de audiência que façam estes tristes espectáculos ainda mais tristes e absurdos.

Renato Rocha disse...

Foi como disse: ignorar e retirar esta gigante importância que toda a gente dá ao pastor é a melhor forma de lidar com isto. Para os islâmicos, os americanos devem ser vistos como pessoas que ignoram e condenam este tipo de gente, e não como quem lhes dá publicidade e plataforma para espalhar as suas loucuras.