quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Smith e as Sereias - episódio 14

Previamente, em Smith e as Sereias, um Smith ainda em recuperação é visitado por Poseidon, e aproveita para fazer uma chantagem inocente: em troca do seu silêncio (é o único que sabe que Poseidon, o machão Rei dos Mares, e homossexual) exige que Rose seja encontrada, que Ariel seja libertada das suas obrigações e que lhe seja dado um escritório maior. Uma Ariel comovida vem visitá-lo ao quarto e, compelida por uma inexplicável amabilidade, deita-se e adormece ao seu lado.


Acordei antes dele e levantei-me com cuidado para não o acordar. Tinha-lhe enfiado um coral australiano para dormir na bebida, na noite anterior, até porque ele precisava de descansar muito para se recuperar rapidamente. Mesmo com quatro dias de antibióticos e anti inflamatórios o risco de complicações era elevado.

Desci para tomar o pequeno-almoço e quase choquei com Lilith num dos corredores da ala sul. Estava pálida.

- Ariel – disse ela numa voz que parecia querer desmoronar-se.

- Lilith. Tudo bem?

- Sim, pois, como está o Smith? – perguntou-me. A coitadinha estava desesperada.

- Está bem, hoje dormiu melhor.

Ela encolheu-se.

- Como é que sabes? – perguntou friamente.

- Porque tenho passado as noites com ele.

- Hum, ah, em que sentido?

Revirei os olhos. Não sabia bem o que responder.

- Eh… No sentido em que ele está deitado na mesma cama onde eu me deito.

- Quero vê-lo – exigiu ela.

- Agora ele está a descansar, talvez mais tar…

- Não, agora. Quero vê-lo agora.

- Lilith – pus-lhe a mão no ombro – Acalma-te, sim? Ele está a dormir. Quando ele acordar logo o vês.

- Tens razão, irmã – ela parou por momentos, tentando recompor-se. Percebi imediatamente que ela estava extremamente nervosa. Com certeza não seria por causa de Smith, eles nunca tinham tido grande tempo para se conhecer intimamente.

- Irmã – disse-me ela, olhando-me com os seus gordos olhos azuis – porque é que o Pai tentou matar o Smith?

Era uma excelente pergunta. Com toda a confusão nos últimos dias e Smith a precisar de atenção constante, nunca tinha parado para pensar realmente no que levaria o meu Pai a quase assassinar o meu suposto futuro marido. Sabia que Smith se tinha tentado meter no confessionário, nem poderia esperar outra coisa de um homem tão inconveniente e danado para a confusão. Mas algo Smih ouvira para despoletar uma raiva profunda no meu pai. Algo grave, talvez.

- Perguntaste-lhe alguma coisa? – perguntou-me Lilith.

- Eu? Não. Não, achas? Ele precisa de descansar.

- Bem, com certeza o que quer que tenha sido já está resolvido.

- Porque é que dizes isso?

Lilith olhou para mim e encolheu os ombros.

- O Pai se quisesse assassinar o Smith já o teria feito nos últimos dias. Ou pelo menos expulsado do palácio, ou enviado para ser comido pelos tubarões. Em vez disso disponibilizou-lhe os melhores medicamentos e uma das enfermeiras a tempo inteiro. Não achas estranho?

Achava. E estava muito bem pensado.

- Não, nem por isso – respondi com um sorriso descomprometido – Vamos comer?

***

Acordei ainda zonzo, e infelizmente sozinho na cama. Ariel já teria acordado, e provavelmente fora buscar o pequeno-almoço. Bocejei. Estava farto de estar ali deitado em recuperação, mas a parte de ter de dormir com Ariel estava a tornar-se muito positiva. Surpreendia-me até a mim mesmo não ter ainda tentado arranjar qualquer situação de foro mais íntimo, se bem que teria a certeza de não conseguir fazer nada de muito atlético com a barriga neste estado.

Alguém bateu à porta. Era Ariel, com certeza.

- Entra!

A porta abriu-se, e um homem semi nu, de cuecas cobertas de escamas e um cabelo cortado fininho entrou.

- Bom dia. Smith? – perguntou-me ele. Era extremamente musculado. Conclui rapidamente que era algum capanga de Poseidon que me vinha partir as rótulas para me obrigar a desistir da chantagem que andava a fazer com o seu patrão.

- Não, o meu nome é Julião – respondi eu estupidamente – O Smith não está cá hoje.

- Mas este é o quarto do Principado. E o Smith é o humano com o adesivo gigante na barriga.

Olhei para baixo, para o adesivo gigante que tinha na barriga.

- Ouça, se me vem ameaçar digo-lhe já que só me posso defender verbalmente.

- Não, calma – o homem musculado aproximou-se da cama e soltou um sorriso – Não lhe quero fazer mal.

- Não é nenhum capanga do meu sogro?

Ele riu-se.

- Não sei se capanga é a palavra certa.

Olhei para ele, ele olhou para mim. Eu olhei para ele, e ele olhou para mim.

- Aaaah – murmurei eu – Você é o “capanga” – desenhei as aspas com a ponta dos dedinhos – do Poseidon.

- Exacto. Namor, ex-herdeiro ao trono da Atlântida. Presumo que não seja o Julião. Tem um minuto?

- Todos. Neste momento estou inválido e tudo. Sente-se.

Namor sentou-se numa cadeira perto da cama.

- Vim fazer-lhe um pedido.

- Um pedido. De que tipo?

- Já sei da chantagem que está a fazer com Poseidon. Sei que lhe fez umas quantas exigências em troca do seu silêncio.

Por momentos senti-me até envergonhado. Apesar de ser maricas aquele tipo parecia-me bastante decente.

- Venho pedir-lhe respeitosamente que espere que os seus desejos sejam realizados, e que depois disso conte a toda a gente o que sabe.

- Quê?

- Preciso que conte a todo o Palácio que Poseidon é homossexual.

- Mas porque raio quereria que eu fizesse isso?

- Porque sei que Poseidon nunca terá coragem para sair da concha. Ele precisa de ver o seu trono e a sua fama em perigo para reagir com coragem a todas as críticas.

- E já pensou que a reacção de coragem a todas as críticas pode ser na forma de me espetar com qualquer coisa bicuda outra vez?

- Já, já pensei. Mas garanto-lhe que isso não acontecerá, posso garantir-lhe isso pessoalmente. O importante é que Poseidon não perceba que eu tive mão nisto.

- Isso é um bocado desonesto.

- Pode ser – disse Namor, oscilando a cabeça, realmente a considerar o que estava em jogo – mas eu amo Poseidon e ele ama-me a mim. É a única forma que encontro de fazer com que esta relação passe a ser motivo de orgulho e coragem e não cobardia e vergonha.

A porta abriu-se, era Ariel com um tabuleiro. O tabuleiro foi ao chão.

- Ariel! – disse Namor, a olhar para ela feito parvo.

- Namor! – disse Ariel, a olhar para ele feita parva.

- Que é? – perguntei a olhar feito parvo para os dois.

- Eu e a Ariel já tivemos uma certa, hum…

- Fomos casados – completou Ariel.

- Oua – resmunguei eu, sem saber o que dizer.


Vamos continuar a fingir que há gente que se importa com isto? Vamos. Caros leitores, não se esqueçam que podem ver os outros episódios desta série na etiqueta "smith e as sereias" que se encontra no menu inicial do blog.


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