quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Smith e as Sereias - episódio 16

Previamente, em Smith e as Sereias, violámos a privacidade dos diários íntimos de Ariel para conhecer em mais pormenor a recentemente revelada relação que ela e Namor, o agora amante de Poseidon, tinham mantido há uns anos como marido e esposa (temporários). Uma confusão mal explicada separou-os logo de seguida, e Namor fugir para nunca mais ser visto.


- Uau – disse Smith, olhando para os enormes adesivos e mastigando um pedaço de pão-molhado com doce de amêijoa mexicana – então isso faz de ti uma sereia divorciada.

- Exacto – comentou Ariel, barrando-lhe mais um pedaço de doce em cima do pão-molhado.

- Não fazia a mais pequena ideia.

- Quê?

- Que tinhas estado casada, ainda por cima com o Namor. Quer dizer – Smith soltou um sorriso sarcástico – Logo com ele, ainda por cima.

- Porque dizes isso?

- Por nada – Smith corrigiu a expressão – Ui, que dor. Dói-me a cicatriz.

- O que queria o Namor, afinal? - Ariel não tirou os olhos da faca com que barrava o doce mas a sua curiosidade era palpável.

- Nada, vinha visitar-me.

- Ele não te conhecia.

- Pois não, mas soube que eu estava doente e veio apresentar-se.

- Ele nunca tinha vindo aqui ao Palácio desde que estivera casado comigo.

- Ora, pergunta-lhe a ele, então. Eu cá não sei…

- Tem alguma coisa que ver com o que ouviste o meu pai dizer no confessionário?

- Absolutamente nada.

- O que ouviste exactamente, Smith? – Ariel olhou-o firmemente nos olhos e parou de barrar o doce.

- Nada de especial, o teu pai estava a dizer que tinha bebido a mais uma noite e que por uma vez se tinha esquecido de pagar a conta do gás.

- A sério.

- A sério, não sei! – Smith sorriu.

***

Porra, e agora que faço?, pensei eu. Ela fez-me a pergunta directamente, olhos nos olhos, para eu ver logo que era coisa séria. Respondo o quê? “Sabes, Ariel, é que o teu ex-marido que me veio visitar é o amante secreto do teu pai”. Isso ia destruí-la. E a mim também, lá se ia a chantagem.

- Não acredito que o meu pai fosse matar-te por qualquer coisinha assim. Não me vais mesmo dizer?

- Eu já disse, não foi nada. Ele provavelmente pensou que não ter pago a conta do gás era uma grande humilhação, só isso.

Encolhi os ombros.

***

Ele encolheu os ombros, e eu continuei a barrar o doce no pedaço de pão-molhado. Eu sabia que ele sabia alguma coisa, e ele sabia que eu sabia disso. Mentir-me assim não era o seu carácter charlatão a falar mais alto, era simplesmente a sua forma de me esconder uma verdade por uma razão qualquer.

- Pronto – comentei, com alguma tristeza – Vou buscar-te mais adesivos, esses têm de ser mudados.

- Ariel, não quero que fiques triste comigo…

- Porque haveria de ficar?

- Por eu não te dizer o que o teu pai… Ups.

- Espalhaste-te – disse-lhe eu.

***

Espalhei-me. Empalideci.

- Estou a ficar confuso, deve ser dos medicamentos.

Ariel olhou para mim e vi duas lágrimas a formar-se nos seus olhos.

- Se não me queres dizer é contigo. Só estava a tentar ajudar-te, caramba. Afeiçoei-me a ti, e depois? Não podes mostrar-te grato e partilhar algo comigo? Dormimos na mesma cama há uma semana, partilhamos os mesmos lençóis, eu trato-te da ferida, trago-te comida. Não podias fazer um esforço, bolas?

Caramba, aquilo tocou-me. Fiquei embasbacado a olhar para ela.

***

Ele ficou embasbacado a olhar para mim. O parvo tinha acreditado na minha vitimização toda. Aquelas aulas de representação tinham valido de alguma coisa. Disney, aqui vou eu.

Foi aí que ele disse:

- Ok, eu conto-te, mas tens de me prometer que…

E bateram à porta, era o meu pai. Olhou para mim, depois para o Smith, depois para mim outra vez.

- Ariel, podes chegar aqui?

Saí para o corredor com o meu pai. Dobrei os braços. Fiz postura de menina rebelde.

- O que queres?

- Primeiro gostaria de te pedir desculpas pessoalmente por ter quase assassinado o teu futuro noivo.

- Ora essa, são coisas que acontecem.

- E segundo – ele ignorou-me o sarcasmo como era seu hábito – Gostaria de te comunicar que estás dispensada de qualquer obrigação perante o Smith.

- Eu estou a tratar dele voluntariamente, obrigado.

- Não é isso. Estás dispensada de tudo. Do casamento, desta vida de casal imposta. Estás livre.

Aquilo foi para mim o equivalente emocional a um murro no nariz.

- Tens a certeza?

- Sim, de certeza. Claro que tenho a certeza. Eu sei o que faço, não achas? – o meu pai passou a mão pela cara. Estava cada vez mais parecido com um doente nervoso – Vou visitar o Smith. A sós. Até já.

Entrou no quarto, e eu fiquei no corredor parada, a pensar que não tinha bem a certeza o que significava estar “livre” na minha própria casa.

***

- E em relação ao teu trabalho, já preparei alguns contactos com o mundo exterior. Aqui está tudo – terminou Poseidon, colocando uma espécie de contracto em cima da minha mesa-de-cabeceira. Fez uma pausa, abriu as mãos – Pronto. Está tudo. As tuas exigências foram respondidas.

Estava estupefacto. O velhote tinha mesmo feito o trabalho de casa. Agora olhava para mim à espera de uma resposta.

- Obrigado – disse eu estupidamente. Não era bem aquilo que um chantagista sem escrúpulos deveria dizer, mas pronto – Foi rápido.

- Foi uma decisão fácil. Eu prezo muito o teu silêncio. Prezo muito a minha honra nestes mares. Se é que me percebes.

- A minha boca está selada.

- Promete-me que não contarás nada a ninguém.

- Prometo. Tem a minha palavra.

- Muito bem – Poseidon ficou a olhar para o tapete durante uns momentos. Estava-lhe a custar fazer aquilo. Depois levantou-se e saiu sem dizer nada. Ariel entrou alguns segundos a seguir.

- O que foi isto?

- Oh, nada de especial.

- Queres que te traga mais doce de amêijoas?

- Sim. Já agora, não te cheguei a contar. Sabes, Ariel, é que o teu ex-marido que me veio visitar é o amante secreto do teu pai.


Todas as Terças e Quintas, mais episódios. Já sabem: ir ao menu inicial do blog e procurar a etiqueta "smith e as sereias" leva-vos direitinhos a uma lista completa de toda a série.

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