terça-feira, 2 de novembro de 2010

Smith e as Sereias 27

Previamente, em Smith e as Sereias, uma bomba vitimou alguns peixes da corte de Poseidon e ameaçou a vida do Rei. Quem é o responsável? E porque raio foi Jack, o moço louro, visitar o Nautilus a altas horas da madrugada? Tudo perguntas que interessam a todo e qualquer cidadão. Sem mais demora, o novo episódio de Smith e as Sereias:


Jack atravessou o corredor Norte do Palácio a correr. Ainda estava a habituar-se a nadar pela água gelada, e ainda ofegava bastante ao abrir e fechar as guelras quando corria. Parou à frente de uma porta. “SALÃO DAS ARMAS”. Jack sorriu e olhou em volta. Estava sozinho. Entrou.

***

Sebastião virou a esquina do corredor Norte do Palácio, correndo desesperadamente. Era necessário contactar as autoridades acerca da bomba. Foi aí que viu alguém entrar na sala das armas. Quem seria? A única pessoa que lá podia entrar era ele próprio, Sebastião, e o robalo responsável pela limpeza do armamento. Aliás, quem teria destrancado a porta?

***

O robalo responsável pela limpeza das armas olhou uma última vez para uma belíssima espada dourada, oferta de um qualquer rei árabe a Poseidon por uma qualquer negociação. Ao robalo pouco lhe importava, não percebia nada de política. A lâmina à sua frente brilhava. O robalo soltou um sorriso. Estava felicíssimo. Arrumou os seus materiais da limpeza, segurando-os debaixo da barbatana, e virou a espinha na direcção da porta. Algo rijo e rápido acertou-lhe nas guelras direitas, e o robalo rebolou salão abaixo, perdendo os sentidos.

***

Lilith estava de plantão na enfermaria quando o robalo foi trazido, inconsciente.

- O que aconteceu? – perguntou.

- O robalo foi atacado na sala das armas – respondeu um atum.

- Atacado? – perguntou outra sereia.

- Deixem-me vê-lo – Lilith dobrou-se sobre o robalo. Ele abriu os olhos, com ar de um peixe totalmente dormente.

- Fui roubado – disse ele, numa vozinha desesperada – Levaram-me as chaves.

***

A chave rodou na porta e o vulto entrou na despensa. À esquerda, um monte de caixas empilhadas. À direita, uma complicada sucessão de mesas vazias, que seriam mais tarde transportadas para o salão principal. O vulto dobrou-se sob uma das mesas e tirou um objectivo de dentro de uma bolsa que transportava a tiracolo. O objecto tinha um pequeno visor digital, alguns fios despenteados e três cilindros vermelhos agarrados com fita cola. A típica bomba caseira.

***

- Claro que sei fazer uma bomba caseira – respondeu o atum com maus modos. Apontou com a barbatana. O jornalista, um peixe espada magro e de bloco de notas na barbatana, seguiu a indicação e viu o nome da loja: CARLOSEXPLODE LDA.

- E o senhor é o Carlos? – perguntou o jornalista.

- Sou sim senhor. Você é um bocado bisbilhoteiro.

- Sou jornalista.

- Exacto, foi o que eu disse. Estou a ser entrevistado para quê?

- Trabalho para a revista Rift e estou a investigar a explosão do Palácio Real, anteontem. Ouviu alguma coisa sobre isso?

- Ouvi, claro. Toda a gente. O nosso Rei ia batendo a barbatana – o atum chamado Carlos encostou-se ao balcão da loja e levou o queixo à barbatana – Quer saber o quê?

- Das descrições que ouviu daquela explosão, pode dar-me alguma informação sobre que tipo de bomba foi utilizada?

- Uma bomba caseira normalíssima. E feita por um amador, de certeza.

- Porque diz isso?

- Porque a bomba rebentou meia dúzia de garrafas e uns peixinhos menores. Para um salão daquele tamanho deviam ter usado outra coisa mais potente. Se era para fritar peixe, como se diz na gíria, no mínimo sete quilos e meio de coral espanhol e citasol metano.

- Citasol metano? – o jornalista tomava notas.

- Sim. É o nome de um químico que eu inventei agora para dar mais credibilidade à coisa.

- E o coral espanhol, é difícil de arranjar?

Carlos apontou com a barbatana para um armário ao seu lado. Pelo menos dez caixas com a etiqueta CORAL ESPANHOL “OLÉ” enchiam duas prateleiras.

- Quatro conchas e meia o quilo.

- Só você é que o vede?

- Qualquer casa de explosivos ou material de construção vende coral espanhol.

- E a bomba do palácio? Foi feita com quê?

- Com muita imbecilidade – disse Carlos.

***

Orlando Matias, escrevendo para a Rift:

Dois dias passados sobre a explosão que assolou o Palácio Real e as investigações policiais continuam sem qualquer pista sobre o autor do atentado. As suspeitas, pelo menos na opinião pública, caíram imediatamente nos atlantes. O amadorismo da bomba e a sua má colocação em relação ao seu mais provável alvo, o Rei Poseidon, desmentem confortavelmente essa ideia: mas ainda assim há quem acredite que o Império tem algo que ver com o sucedido.

“O que lhe podemos dizer é que estamos a fazer os possíveis por encontrar o responsável, mas ainda há poucos dados para analisar” disse ontem o Capitão da Autoridade Marinha. “Estamos a trabalhar com a guarda do Palácio e com o Rei Poseidon pessoalmente a fim de compreender quem possa ter colocado a bomba no salão”.

O funeral das sete figuras da Corte, assassinadas no atentado, foi marcado pelo discurso corajoso de Poseidon. “Este crime não ficará incólume. Os inimigos da minha corte serão caçados e julgados pela lei do meu tridente. Garanto à população dos Oceanos mundiais que estou de boa saúde, e pronto para combater pelo meu bom nome e pela justiça marinha”.

A ausência de figuras importantes da Corte, como o recém-chegado ao Palácio Capitão Nemo ou a ex-futura-princesa Ariéliga poderão significar que há algo a passa-se nos “bastidores” do Palácio. A ver vamos.

***

O tripulante do Nautilus fechou os olhos e começou a rezar à Pescada. Pedia-lhe mercê, ajuda para ultrapassar as adversidades, força para sobreviver e poder voltar a ver os filhos e, principalmente (e mais urgente que tudo o resto), que aquele sádico rapaz louro afastasse a lâmina da espada que segurava bem perto da sua garganta.

- Não se mexam! – gritou o rapaz louro, agarrando-o com força e puxando-o para si. Os outros tripulantes levantaram os braços, assustados.

- Façam o que ele diz, pelo amor da Pescada – implorou o Tripulante.

- Mas o que vem a ser isto? Quem és tu? – perguntou um dos tripulantes, de mãos no ar.

- Não interessa – respondeu o rapaz louro.

- Parece o Leonardo DiCaprio – murmurou outro tripulante.

- Mais uma gracinha com o meu aspecto e eu corto a garganta do vosso amigo – rosnou o Leonardo. Os tripulantes calaram-se.

- Muito bem. Hoje vamos sair em viagem, perceberam? Ponham o Nautilus a funcionar. Quero ir para a superfície. E já.

***

Lilith e Ariel estavam atarefadíssimas, nadando descontroladas pela enfermaria fora. Dez peixes, meio esventrados, feridos ou amputados, gritavam a plenas guelras e exigiam anestesias variadas. Eu tentava ajudar no que podia, transportando gaze, antibióticos, umas substâncias que cheiravam mal e pomadas para as queimaduras. Sentei-me por momentos a descansar ao pé de uma maca. Um peixe gordo estava deitado sobre ela, com uma ligadura nas guelras.

- Hoje está animado, isto – disse ele – Robalo, muito prazer. É enfermeiro?

- Smith, prazer. Não, estou só a ajudar. Estive mais ou menos para casar com aquela enfermeira ali – apontei para Ariel.

- Ariel, muito simpática. Uma vez tratou-me uma escama encravada na cauda. Um amor de pessoa.

- O que lhe aconteceu?

- Deram-me uma traulitada na cabeça e roubaram-me as chaves do Palácio. Ei, você não é aquele que levou com o tritão do nosso Rei?

- Esse mesmo.

- E o seu amigo louro? Aquele que parece aquele actor…

- O Jack?

- Não, o Tom Cruise.

- Não, o Jack. Ele chama-se Jack – olhei em volta, à procura dele. Era uma boa pergunta. O que andaria ele a fazer?


Todas as Terças e Quartas há mais episódios de Smith e as Sereias.

Sem comentários: