quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A formação de uma imagem latente numa película fotográfica: uma história de amor (com iões)

Era uma vez um ião prata e um ião brometo. Viviam juntos num grão não exposto, muito tranquilo e com uma forma geometricamente interessante. Tinham uma relação estável e electronicamente equilibrada. Partilhavam um electrão, e abraçavam-se à sua volta com a carga eléctrica característica de quem se ama. Aquilo trazia-lhes uma estabilidade muito grande. Até compreendiam que havia átomos que preferiam viver sozinhos, neutros no que toca a relações amorosas; mas eles gostavam das coisas como estavam, e eram felizes.

Um belo dia cheio de sol, um fotão transportado à velocidade da radiação electromagnética chocou com eles na rua. Nem viram bem se era uma onda ou uma partícula, tal foi a rapidez e violência do embate: mas, de repente e sem aviso, o ião prata e o ião brometo estavam separados. Procuraram encontrar-se de novo, mas o electrão que os unia tinha desaparecido. E do fotão agressivo nem sinal; tinha chegado, embatendo com um grande nível de energia, e levado o electrão para longe!

Chocado com a separação brusca, o ião brometo procurou o electrão, mas sem êxito. Não havia sinal dele dentro do grão agora exposto; mas, quando pensava com sinceridade sobre o assunto, sentia-se agora tão estável e independente. Mudara de personalidade, transformara-se num ião menos carente e mais individualista. Foi ao registo civil, mudou o seu nome para Bromo (pareceu-lhe mais curto e moderno), e engendrou uma forma de dizer ao ião de prata que não queria mais nada com ele.

- Meu querido – disse o ião brometo ao ião prata – Não encontro o electrão que nos falta, e acho que ele se escapou deste grão. Cá para mim fugiu para o estrangeiro, pelo que vou atrás dele. Visitarei a Gelatina, que é já aqui ao lado, e procurarei incansavelmente pelo electrão que nos foi arrancado!

E assim se despediu, depois de afagar com carinho o núcleo do ião prata com a sua nuvem electrónica.

A chorar de solidão, o ião prata precipitou-se para o centro de sensibilidade, subitamente negativo e a precisar de algum apoio electrónico. Não admira: também o ião prata, agora sozinho e agora sem electrão, sentia-se com demasiados protões para o seu gosto e precisava de um ombro amigo onde se neutralizar. Iria até ao centro de sensibilidade reencontrar o seu equilíbrio electrónico, e esperaria o seu amor ião brometo até ao fim da era nuclear!

Chegando ao centro de sensibilidade, o ião prata deparou-se com o electrão desaparecido, encolhido e assustado, a precisar de um protão onde se apoiar para chorar as suas mágoas.

- Estás aqui! – surpreendeu-se o ião prata, abraçando o electrão e fazendo-lhe festinhas na carga negativa – O brometo disse que não te tinha encontrado e…

Subitamente, o ião prata compreendeu a verdade. Nunca mais voltaria a ver o ião brometo, que num excesso de egoísmo o abandonara com uma desculpa esfarrapada para fugir para o estrangeiro. Pois bem, que fosse feliz na Gelatina! O ião prata abraçou o electrão e levou-o para casa; e também ele foi ao registo civil. A partir desse dia, seria um átomo de prata. Simples, equilibrado, sentia-se um verdadeiro metal de transição entre a sua vida de ião e a sua vida de autonomia.

Alguns dias se passaram, até que o átomo de prata viu passar à sua janela (mudara-se para o centro de sensibilidade, onde sentia que chamaria mais a atenção) uma espectacular, fluida e interessante substância, que se revelou bastante bem educada.

- Bom dia, como vai isso?

O átomo de prata corou e agitou a nuvem electrónica, mostrando-se disponível.

- Você é extremamente atraente – disse-lhe a substância, revelando-se atrevida.

O átomo de prata convidou a substância para um café, e passaram uns bons momentos de intimidade; mas quando acordou na manhã seguinte, olhou pela janela e viu a substância a entrar no grão exposto, revelando enorme descaramento, e metendo-se com outros iões de prata, positivamente atrevidos. Sentiu-se usado, um simples catalisador; e decidiu manter-se quieto no seu centro de sensibilidade. Talvez um dia alguém olhasse para ele…

Quanto ao bromo, todo pimpão e convencido, levou a sua estabilidade para a Gelatina mas deu-se mal. Nunca mais encontrou nenhum ião de prata, aliás, nenhum ião de qualquer elemento, que quisesse alguma coisa com ele. Morreu sozinho e abandonado num país estranho, com saudades do ião que tinha sido e que já não era.

5 comentários:

Ana disse...

Muito fixe! =D

Só um aparte científico: os electrões não desparecem assim quando se quebra uma ligação iónica... Porque a ligação iónica é uma espécie de partilha de electrões entre iões (um positivo, com mais protões q o átomo "normal", e outro negativo, com mais electrões do que o "normal") portanto o electrão não desaparece, apenas deixa de estar partilhado... Mas a história assim fica mais gira! =P

Anónimo disse...

é fixe partilhar a mesa com o Renato em fq !

Bábs!

Renato Rocha disse...

Ana:

Tens razão; neste caso, o electrão viaja até ao centro de sensibilidade, eu sei que ele não desaparece verdadeiramente. Expliquei-me mal!

P.S.: ofendes-me ao pensar que não me lembro o que são iões! Esqueces-te que sou um nerd de coração.

patricia colaço disse...

Muito boa história!!! Gostei muito.

Julia disse...

Olha uma pessoa que devia ligar menos as aulas de quimica...sinceramente o que aconteceu aos livros?