quinta-feira, 14 de abril de 2011

História em Segundos

Esta é a nova rubrica aqui do blog. O objectivo é retomar a pedalada há muito perdida graças a todos estes meses de não-escrita. Uma história, pequena, escrita de improviso, em poucos segundos ou minutos, cujo objectivo é começar com uma frase e ir vendo como corre pelo caminho. As consequências, posso prometê-lo, serão tão surpreendentes para vós como para mim.


Gil era um cão. A sua mãe era uma cadela; e mesmo que alguém lhe dissesse tal coisa ele nunca se ofenderia. Gil era um cão mas era inteligente: e sabia perfeitamente que, por definição, a sua mãe tinha de ser uma cadela. Pior seria se a sua mãe não fosse uma cadela. Nesse caso, Gil seria um cachorro-proveta. Ou pior, um cachorro órfão. Mas, ainda assim, mesmo órfão, mesmo proveta, o Gil continuaria a ser um cão e uma gloriosa consequência de uma fecundação bem conseguida, ou num tubo de ensaio ou no útero da cadela que era a sua mãe; ou seja, continuaria a ser essencial para a existência de Gil, o cão, a existência de uma cadela sua mãe, que lhe tivesse facultado metade do material genético que é hoje em dia a pastosa identidade bioquímica do animal. Conclui-se, assim, que chamar cadela à mãe de Gil não poderá nunca ser uma grande ofensa. A não ser que Gil, num momento de exagerada sensibilidade emotiva, se ofendesse com facilidade perante tamanha evidência. Gil não é, de todo, um cão burro; o que, por si só, seria uma contradição difícil de impingir a alguém. A não ser, claro, que a mãe de Gil fosse fecundada por um burro. Isto é, claro, impossível. Tratam-se de espécies diferentes, extremamente afastadas na árvore da vida, e por definição impossíveis de cruzar; mas se não fosse esse o caso, e tivéssemos nós um milagre biológico nas nossas mãos, poder-se-ia dizer que Gil, o cão, teve uma mãe cadela e um pai burro.

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