domingo, 19 de junho de 2011

Samora 8


Uma vez eu e Samora sentámo-nos a falar sobre a imortalidade.
- O maior problema do mundo é o seguinte: todos queremos viver mais. Veja os eficientes sistemas religiosos e esotéricos, todos prometem leis universais e infinitas, ou um descanso eterno qualquer. Que aborrecido, querer sempre viver tudo. Por que não morrer antes e aproveitar o que se tem? É a velha preguiça humana, que prefere ter dez anos sentados no sofá do que cinco a mexer-se pela vida. Depois ficamos com todos os velhos pendurados, inválidos, a jogar dominó nos jardins.
- Mas o avanço tecnológico é bom por natureza. As pessoas vivem mais e melhor. Não será isso uma vantagem?
- Seria se a maioria se matasse pelo caminho, mas para isso era preciso que as populações fossem altruístas e não são. À medida que vivemos mais reproduzimo-nos mais, e roubamos o trabalho aos nossos filhos e os nossos filhos roubam-nos o sustento a nós. É o ouroboro da serpente ou da pescadinha de rabo na boca. Tanto faz, peixe ou réptil vai dar ao mesmo.
- A solução?
- A solução já lha disse, rapaz. Não me ouve? É o genocídio ou a castração. Não há volta a dar, senão entupiremos o mundo. Ou tem uma ideia melhor?
- O respeito pelos mais velhos e a esperança para os mais novos – disse eu de queixo levantado.
- Ah, pois é – respondeu-me Samora com um dos seus sorrisos sarcásticos, bebendo da coca-cola e observando as próprias pantufas – já me esquecia disso. 

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