sábado, 16 de julho de 2011

Samora 27


- Pretendo queimá-lo – rosnou-me, vermelho, suado. Sara tinha-nos visitado, e Samora gritara-lhe para se ir porque não estava de todo nos seus dias. Estávamos agora sozinhos na casa, até Anna descera à vila para comprar legumes – Pretendo queimá-lo e nunca mais vê-lo. Queimo o baú também, com tudo lá dentro, para que não precise sequer de rever os volumes e tocar-lhes com as mãos sujas.
Referia-se aos volumes, soube-o logo.
- Porquê a destruição?
- Porque a destruição limpa as coisas más, e o fogo esteriliza tudo – tinha suor na testa, na nuca, nos lábios e em pronunciados círculos à volta das axilas; e gesticulava, nervoso - A expiação total dos meus pecados. Limitei-me a querer encerrar a humanidade nas páginas de papel, mas é impossível. Consome-me como que uma droga, devo parar antes que esteja seco e desfalecido pelo seu peso inimaginável.
- Pelos deuses – fechou os olhos, dedilhando nas têmporas – traga-me uma Coca-cola gelada. Senão morro.

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