quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cartas para Andrómeda #4


Querida tia,

Como é Verão aqui no Planeta Terra estou trancado na nave, à espera que a chuva passe para poder levantar voo e ir visitá-la.

Nem imagina como esta altura do ano é interessante aqui na Terra! Temos, aliás, um trabalho de casa para as férias, marcado pelo professor de Hábitos Comparados: Como passam os terráqueos as suas férias? (“férias” é um pouco como os nossos Arghyt, só que os sortudos têm mais do que sete milisegundos para descansar e chegam a ter tempo de viajar até outros cantos do planeta!)

A minha investigação para o trabalho levou-me a concluir que a grande maioria dos terráqueos passa as suas férias num local chamado praia. Tia, imagine o seguinte pesadelo: uma superfície de água salgada a temperaturas elevadíssimas, repleta de pequenos micro-organismos verdes extremamente venenosos para nós mas que cheiram imensamente bem. À frente da água (como é que os humanos a reúnem toda é algo que devo perguntar ao professor de Engenharias Multi-planetárias) está uma plataforma mais pequena de uma substância monocromática chamada “lixo”. Os humanos gostam de se sentir rodeados pelos resultados dos seus próprios consumos económicos, e por isso a praia é o local onde cada humano se exibe perante os outros humanos, enterrando beatas e latas de coca-cola e jornais na areia para marcar território (são tudo objectos comestíveis e aliás deliciosos, pelo que não sei por que os deitam fora). Lá muito de vez em quanto, no meio desse “lixo”, encontramos uma substância mineral chamada areia, perigosíssima, que quando levantada pelo vento pode furar os olhos dos humanos e fazê-los lacrimejar (reação física em que os terráqueos desperdiçam água potável para lubrificar uns globos estranhos com os quais captam radiação electromagnética de média-frequência).

No meio de todo esse pesadelo, os humanos desperdiçam o seu dia deitados ao sol, cujos raios, aqui na Terra, provocam cancro e não borbulhas explosivas e diarreia como por aí em casa. Os humanos exibem-se e competem em campo aberto quando vão à praia. Os machos pavoneiam-se com apenas uma peça de roupa, cuja decoração e tamanho são interpretados pelas fêmeas. Os terráqueos que usam o traje conhecido por “cueca” têm menor sucesso reprodutivo, uma vez que os seus genitais e nádegas surgem mais pronunciados e isso assusta a maioria das fêmeas. Outro importante factor de competição é o desporto. Os machos terráqueos são particularmente bons a atirar-se para dentro da ondulação (movimentação cíclica e perigosíssima na superfície de água salgada), e preferem fazê-lo quando o risco de salpicar as fêmeas ou outros machos é elevado.

Também as fêmeas utilizam reduzidas superfícies de roupa, chamadas “bikinis”. Para uma fêmea ideal, a referida “cueca”, que quando utilizada pelo macho é sinal de deficiência social, é tomada como uma demonstração clara de saúde sexual e vontade de produzir descendência. Por outro lado, as fêmeas com maior índice de massa gorda tendem a vestir-se mais, uma vez que a oscilação das pregas de gordura, tão apreciadas pela nossa espécie, é na Terra algo a evitar.

As fêmeas cuidam também do seu físico procurando escurecer o tom de pele e passear padrões de vestuário agradáveis à vista do macho, e que de preferência destaquem os seus seios transportadores de leite (que por sua vez, quando a fêmea é orgulhosa da sua saúde e deseja encontrar um macho mais depressa, andam descobertos e a apanhar sol).

Quando finalmente um macho de bons calções e uma fêmea de boas cuecas se encontram e se identificam como potenciais parceiros sexuais, iniciam um processo de pré-coito conhecido como “salpicar o parceiro”, dentro da água sagada. Concluo que objectivo é molhar a fêmea com o intuito de a lubrificar a fim de facilitar a penetração.

Também as grandes famílias terráqueas vão à praia. As crianças dedicam-se à construção de figuras na substância mineral chamada “areia”, construções essas que, além de frágeis, são depois varridas pela superfície de água salgada poucas horas depois. Que burras são as crias dos humanos! Os seus pais, por terem já acasalado e não precisarem de se exibir para chamar a atenção do sexo oposto, dedicam-se à alimentação, consumindo alimentos guardados num dispositivo chamado “marmita”, ao sudoku (arte marcial cognitiva) e à análise dos outros elementos que coabitam com eles na praia. É habitual que ambos, quer o macho quer a fêmea, observem as outras fêmeas, mas por razões distintas:

As fêmeas observam outras fêmeas com o intuito de estabelecer comparações entre as suas massas gordas e o tamanho dos seus seios transportadores de leite. Esta comparação é motivo de extrema angústia para a fêmea, desenvolvendo o sentimento humano conhecido como “inveja”  mas ao qual os humanos também chamam de “preocupação genuína pela saúde física”; por isso, muitas das fêmeas executam exercício físico antes do período de férias.

Por seu lado, os machos olham para as fêmeas com exactamente o mesmo intuito, isto é, observar a sua constituição física procurando sinais de saúde; no entanto, os machos procuram não estabelecer comparações entre a fêmea com quem acasalam e a fêmea selvagem, mas sim estimular-se utilizando aquilo a que chamam “imaginação”. Mesmo quando a fêmea selvagem é visivelmente superior em saúde à fêmea eleita pelo macho, este não inicia nenhuma manobra de aproximação. Está provado cientificamente que um macho típico observa até cento e trinta fêmeas distintas numa normal ida à praia, apesar de ser física e emocionalmente fiel à sua fêmea eleita e com a qual estabelece descendência. A este mecanismo de auto-estimulação masculina dá-se o nome técnico de “mirone”.

A disposição dos terráques na praia também obedece a um ritual rigoroso.  Apesar de viverem no meio do lixo  e apreciarem nadar nas mesmas águas que centenas de outros humanos sujos, os terráqueos gostam de se proteger da areia deitando-se sobre uma toalha, um rectângulo de tecido comprado previamente. Quanto maior o número de terráqueos que se movimenta em grupo à praia, maior a área que devem ocupar; conseguem, assim, espalhar os seus objectos pela areia, ocupar uma maior área (chamando a atenção das fêmeas e intimidando os machos) e, principalmente, chamar a atenção para os seus calções de banho ou para os seus bikinis.

Outro gosto tipicamente terráqueo é o de, ao invés de se estabelecer toalha num espaço aberto, estabelecer toalha o mais perto possível de outros terráqueos. A distância que separa os dois grupos deve ser pequena o suficiente para facilitar que o levantamento de areia por parte de um terráqueo atinja um terráqueo deitado ao seu lado.

Ainda não terminei as minhas pesquisas, e por isso é natural que daqui a uns tempos tenha mais coisas a partilhar consigo. E por aí, como vão as coisas? O tio já rejuvenesceu o quarto coração? Ainda não percebi bem como pôde o Gtyr atacá-lo assim, sem justificação, e logo à frente dos outros animais da quinta... Talvez esteja outra vez com um vírus informático!

Cumprimentos a todos. Espero chegar aí por volta do 6%4 de Iug. Dá-lhe jeito que passe por Plutão para compra gelo? Aproveite; a sua sangria não se vai refrescar sozinha!

Até ao meu regresso,
O seu sobrinho

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