sexta-feira, 25 de maio de 2012

Associação de Ciborgues Portugueses


Um ciborgue foi ontem à noite à Fundação Champalimaud contar a sua história (clique aqui para ler a notícia). As pessoas não sabem, mas antes de Neil Harbisson ser reconhecido como primeiro ciborgue na História já existiam muitos como ele. Onde? Em Matosinhos, pois claro. Foi lá que nasceu a Associação de Ciborgues Portugueses. Sempre na vanguarda das coisas que estão em vanguarda, o Trajectória Aleatória foi entrevistar Mourato Sousa, ciborgue sócio-fundador da Associação.



Sr. Mourato Sousa...

Mourato Sousa SB-34, se faz favor.

Diga?

Mourato Sousa SB-34 é o meu nome completo. É por ser ciborgue. E por haver outros Sousas e outros Mouratos na minha rua.

Sr. Mourato Sousa SB-34, o senhor é sócio fundador de uma associação bastante original

Original não. Só para vocês que vivem um bocado desactualizados lá na capital. Aqui em Matosinhos isto dos ciborgues já é normal. Ali no café do Robocop...

Não se fala de outra coisa.

Claro que se fala. Do Benfica, do Sporting, de gajas, por isso mesmo: os ciborgues são tão normais que já ninguém fala deles. É um bocado como os maricon, quer dizer, os homossexuais. Ciborgue que é cigorgue sente-se em casa em Matosinhos. É aliás a única cidade do mundo, ou pelo menos do distrito do Porto, em que um ciborgue pode de facto experienciar ser ciborgue à vontade.

Que significa experienciar ser um ciborgue?

Olhe, ser ciborgue não é só ter partes de máquinas no corpo, é uma filosofia de vida, você não tenha a mais pequena dúvida. Isto porquê? Porque as máquinas também possuem sentimentos. Um carro que não pega, por exemplo, é logo uma chatice...

É de facto uma situação aborrecida, a pessoa chega atrasada aos compromissos...

Ora aí está: é a visão antropocentrísticóide que o ser humano tem do mundo actual. Os ciborgues estão mais à frente. Para nós um carro que não pega não é um aborrecimento, é uma chamada de atenção. Aquele veículo não está bem. Terá frio? Falta-lhe óleo? Andam a forçar-lhe as mudanças? Ou entraram com ele numa auto-estrada quando só pode circular em vias equiparadas? Um ciborgue dá por si a reflectir por aí fora que nem louco. Só para ter uma ideia de como isto é uma actividade intensa: o meu António quer tanto ser ciborgue como o pai que no outro dia fui apanhá-lo a conversar com o aspersor do vizinho. Até lhe dei uma antena para pôr atrás da orelha. É que felicitei-o mesmo. 

Mas como é que uma pessoa se torna ciborgue?

Outro mal entendido: uma pessoa não se torna ciborgue, ela tem de nascer e crescer já com uma certa apetência. Eu por exemplo fui criado por uma mãe que era possessiva e por um pai que era negligente. Ora, a minha infância foi passada debaixo de paninhos quentes e de cobertores para não apanhar correntes de ar, para não isto, para não aquilo. Não mexi uma palha até aos 19 anos. Fiquei fraco como um pintainho e o meu coração não aguentou a chegada dos cinquenta. Tive de pôr um pacemaker.

E é por isso que se considera um ciborgue?

Era o que mais faltava, senão qualquer paspalho virava ciborgue da noite para o dia. Ter pacemaker não chega porque ser ciborgue também tem um pouco de colecionismo. Nos últimos sete anos fiz mais de vinte e duas aplicações. Tenho quatro chips de localização para cães debaixo da pele, uma tíbia de titânio, uma chapa de metal na cabeça e um mini-rádio a pilhas no molar. De cada vez que mordo uma peça de fruta  mais rija começo a ouvir Romântica FM.

E que tipo de vantagens há em pertencer à Associação de Ciborgues Portugueses?

Ui, tantas. Primeiro temos óleo com desconto. O Fernandes, que é o dono da oficina e também é ciborgue desde 97, é o principal fornecedor na grande área metropolitana de Matosinhos. Depois olhe, há viagens de convívio a sucateiras, sessões culturais com os filmes do RoboCop e campeonatos de dominó. Um ciborgue em Matosinhos só não tem o dia ocupado se quiser.

Mas ser ciborgue não é só vantagens

Oh meu amigo, perfeição só Terminator Nosso Senhor. Você não imagina o que eu sofro em dias húmidos, fico todo marreco. Além disso, faço interferência com os electrodomésticos. A minha senhora não pode usar o microondas enquanto não me for deitar. E ímanes? Naqueles dias mais chuvosos fica aquela electricidadezinha no ar e chego a casa coberto de talheres e pedaços de ferro. Os estúpidos dos putos humanos cá de Matosinhos até se divertem a fazer tiro ao ciborgue: esfregam-nos com um pedaço de algodão para fazer electricidade estática e depois cospem-nos papelinhos em cima. É uma situação que a Associação está a tentar corrigir, nomeadamente com represálias ao nível de tabefes.

Como é que a sociedade vê os ciborgues?

Com os olhos. Eu não, eu vejo a sociedade com um monóculo incorporado na córnea. Tem zoom de 25x que é uma maravilha para poder ver as ciborgas todas destapadas em dias de mais calor. Mas não diga nada à minha senhora. Esse gravador não está ligado, pois não?

Não, não

(tiriri, tiriri, tiriri)

Oh, espere lá (carrega na bochecha) Tou? Carlos Marco 4R? Então, meu bandalho, disseste que me ias buscar líquido de limpeza para o ecrã da tua prima e ainda não voltaste. O quê? Mas isso é um escândalo!

Que se passa?

É o meu filho Carlos Marco 4R. Está na conservatória do Porto. Você acredita que não o deixam casar com a namorada?

Por ser ciborgue?

É para ver como esta gente é mesquinha. Ainda por cima o véu ficava tão bem em cima dela... Oh Carlos Marco 4R, volta lá com a Bimby para casa que eu ligo ao Padre Nuno B-67. Meu amigo lamento imenso mas vou ter de terminar a entrevista.

Muito obrigado pelo tempo concedido

Ora essa. E como forma de agradecimento por nos ajudar a divulgar o ciborgue português leva aqui um frasquinho de óleo tradicional de Matosinhos e uma calculadora a energia solar. E dê-me aí o seu e-mail, para depois lhe enviar em PDF o galhardete da nossa Associação. 

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