sexta-feira, 6 de julho de 2012

Fui raptado por extraterrestres


Não escrevo uma palavra há semanas por uma razão muito simples: é que fui raptado por extraterrestres.

Explico: encontrava-me calmamente a ver vídeos de repórteres de televisão a largar flatulências em directo, uma das minhas categorias de vídeos favoritas, quando uma pesada luz branca me encheu o quarto. Como pode uma luz ser “pesada”? Em boa verdade, os fotões não possuem massa. Que será isso então de uma luz “pesada”? E com que lata desvio os leitores da história para uma reflexão científica?

Divago: dei por mim abandonando o Youtube, o qual me apresentava um registo amador de uma jornalista a ser agredida por um indivíduo despido, e fui sugado pela luz branca pela janela aberta do meu quarto. Subi pelos ares, sofri com a súbita mudança de temperatura, espirrei, tudo isto antes de ser sorvido pelas portas metálicas de uma gigantesca salsicha metálica.

Lá dentro fui recebido numa sala esférica, toda coberta com a panóplia de instrumentos, ecrãs e projecções holográficas que os filmes de ficção científica nos ensinaram a associar com as raças alienígenas. Daí que tenha estranhado a forma das criaturas que se aproximavam a esvoaçar: soltavam zumbidos, todas elas, mas eram iguaizinhas à Jessica Alba.

Uma das criaturas carregou num colar que trazia ao pescoço e disse:

- Bem vindo, terráqueo. Proviémos de Andrómeda.

- Provimos.

- Provimos de Andrómeda.

- Ai, que longe.

- Apresentamo-nos cordialmente a tu com forma de Jessica Alba, conhecida e apreciada fêmea terráquea. Encontramo-nos preparados para súbito fluxo sanguíneo ao nível de teus órgãos sexuais mas não para encetar coito, pelo que apelamos à contenção e calma. Aproximamo-nos em paz.

As criaturas aproximaram-se mesmo, e vinham em paz até ao momento em que tiraram uma sondas compridas de trás das costas e apanharam-me despercebido. O que se seguiu foi uma humilhante pesquisa pelos meandros dos meus orifícios, durante a qual berrei perdidamente, apesar de estar a ser perscrutado no meu íntimo por três cópias perfeitas da Jessica Alba. Não que a ache particularmente atraente; não acho. O seu aspecto latino e seus lábios carnudos vão ao encontro de um ideal de beleza muito em voga na América e, quem sabe, nos países latinos, mas nós europeus (explicaria eu aos E.T. a meio da colonoscopia) preferimos as loiras.

Lá me sondaram. Todo dorido, fui levado até um quarto esférico e deitaram-me numa cama muito confortável. Adormeci. Quando voltei a acordar tinha três cópias perfeitas de uma loira que desconhecia.

- Estás, nobre terráqueo, cordialmente preso para estudos – disse-me uma das loiras.

- Seres objecto de intensivo estudo. Nós de Andrómeda pesquisamo-nos vossas tradições, costumes, anatomia e forma de reprodução. Vastamente mais interessantes que habitantes de Plutão.

- O que mais odiarmos em humanidade? – perguntou retoricamente a terceira loira – Cha cha cha.

- Quê?

- Cha cha cha. Relatórios preliminares apontam para tratar de dança social executada em proximidade com terráqueo de sexo oposto. Sentimo-la absoluta ameaçadora, perigo, amedrontante perigosidade.

- ? – fiz eu com as sobrancelhas.

- Pedimo-vos desculpa por incómodo – disse a primeira loira – Há que entenderes, valiosa aquisição para os alunos de Andrómeda que vos estudam.

- Eu não sou a aquisição de ninguém – expliquei, levantando-me da cama – E agradecia até que me dessem um anti-inflamatório e me conduzissem a casa.

- Impossível – disseram as loiras em uníssono.

Olhei-as de frente e através das sobrancelhas, à western. Charlize Theron, pensei. Tinha três Charlizes Therons à minha frente e só agora relacionara a figura com o nome. Não tinha estado mal em alguns filmes, e de facto era bonita. As três Charlizes ergueram-se ameaçadoramente, pelo que não me restou outra alternativa senão começar a cantar e a mexer as ancas.

- Dois, três, cha cha cha – contei, passeando-me pela sala. Deviam tê-las visto: as Charlizes começaram a soltar guinchos impossíveis e treparam pelas paredes curvas da sala como se não houvesse amanhã. Levei a dança até às últimas consequências e executei uma rotação bastante rápida, indo embater com a biqueira do sapato no traseiro de uma das Charlizes.

A partir daí foi um passeio: amedrontadas com a possibilidade de as agredir outras vez recorrendo a ritmos latinos, as extraterrestres convidaram-me para uma visita guiada pela nave e apresentaram-me todas as suas maravilhas tecnológicas. A que mais me impressionou foi um frigorífico automático: premia-se um botão e a bebida ficava gelada. Exigi coca-cola. Não tinham. Executei dois passos de cha cha cha. Uma Charlize foi lá abaixo à Terra e voltou com uma Pepsi. Mexi a anca. A Charlize voltou, em pânico, a descer à Terra. Regressou com uma Coca-Cola Light, dois litros. Bebi a gosto.

- E que fazem vocês nos tempos livres? – perguntei.

Explicaram-me que o estudo da humanidade era apenas parte dos seus passatempos. Estavam agora embrenhadas no estudo de uma partícula antiquíssima, descoberta pela sua civilização há uma carrada de milénios. Exigi-lhes que me explicassem do que se tratava. Explicaram-me. Arregalei os olhos. Sob a ameaça de uma troca de peso em ritmo sincopado, as Charlizes prometeram deixar-me na morada que lhes indiquei. Despedi-me cordialmente e agradeci-lhes o anti-inflamatório, que viria a aliviar-me o tecido adiposo em torno do recto. Elas prometeram nunca mais me raptar, nem a mim nem à minha família.

Mas outro valor mais alto se levantava; e a referência aos Lusíadas não é descabida não senhor. Entrei no CERN como quem chega à Índia depois de desbravar oceanos e pedi à menina da recepção que me indicasse o supervisor.

- O supervisor de quê? – perguntou-me ela.

-   Disto – disse eu, sabichão, levantando o dedo e apontando para a sala, i.e., para o CERN.

Um cientista de barbicha veio ter comigo e perguntei-lhe se me sabia dizer onde estava o acelerador de partículas, porque  tinha uma coisa muito importante para lhe mostrar.  Ele perguntou se eu era maluco, e eu disse que em princípio não.

- Sei como identificar a partícula de Higgs – disse, triunfante.

- Como sabe dessa partícula?

- Wikipedia. Ora leve-me lá ao acelerador, faça favor.

Fomos. Lá os ajudei (coitados) a identificar a partícula. Ficaram todos boquiabertos. Abriu-se champanhe. O cientista de barbicha (que, viria a perceber mais tarde, simpatizara comigo) aproximou-se e disse que aquilo não podia ser, a partícula tinha de receber o meu nome.

- O bosão de Rocha – disse ele.

- Ora, deixe estar – disse-lhe, a fazer-me de difícil.

- Vá lá.

- Não senhora, obrigadinho.

- Mas nós insistimos.

- Pronto, então ande lá com isso.

Lá se telefonou ao tal Higgs, a perguntar se se importava que a partícula perdesse o seu nome. Ficou possesso. Parecia uma menina ao telefone. Disse que “Rocha”, ainda por cima, era impronunciável em inglês. Pedi que me passassem o telefone. Procurei acalmar o senhor, explicar-lhe que meu amigo, a ciência é feita de quem lá chega primeiro, eu cá não fico em casa de rabo sentado a teorizar, vou às coisas e agarro-as. Mandou-me fuck myself e desligou.

No dia seguinte anunciaram a descoberta da partícula Rocha mas enganaram-se no nome; e eu em casa, a anti-inflamatórios. O universo está cheio de injustiças.  

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