terça-feira, 17 de julho de 2012

Resposta a Teló


Caro Michel Teló,


Primeiro que tudo obrigado por me abordares dessa maneira. Não é todos os dias que um homem escolhe falar comigo por me achar “a mais linda”, muito menos para me dizer, nas entrelinhas, que quer praticar o coito. Simpatizo com a honestidade em qualquer situação.

Agora, a verdade é que não me sinto lá muito elogiada. Sou uma mulher bonita, sim; mas também inteligente, culta, viajada, interessante. Não sou uma sobremesa, e portanto tenho pouco de “delícia”; não sou uma maçaneta, portanto isso de me “pegares” tem de ficar para outra altura. Não te vás já embora; não tenho sexo para te oferecer mas gostaria de te dizer umas coisas:


Compreendo em absoluto a tua abordagem. Há na sociedade um discurso politicamente correcto sobre a forma de comunicar entre os homens e as mulheres que, bem vistas as coisas, se torna hipócrita: a verdade é que os homens continuam a tratar as mulheres como seios com pernas, e as mulheres a vestir-se e comportar-se de acordo com isso. A noção de que preciso de vestir decotes ou mini-saia para me sentir “à vontade”, ou para estar “confiante”, é-me tão estrangeira como a ideia de que a promessa de sexo, por parte de um homem, será motivo de júbilo.

Ainda assim tenho a certeza de que, se musicares o que acabaste de me dizer (omitindo, talvez, a minha resposta), serás responsável por um enorme sucesso comercial. Entre os homens? Talvez; mas és carinha bonita, tens voz melosa, provavelmente os machos quererão outra coisa. O teu principal público será, ironicamente, o feminino. Milhões de raparigas apreciarão e cantarão em uníssono esse teu poema, essa ode à mulher; e tantas outras decorarão com gosto a coreografia com a qual tão bem mostras aquela que pensas ser a melhor forma de nos interpelares pela primeira vez.

Talvez a tua abordagem não seja assim tão desprovida de sentido. Talvez tenha resultado no passado, e resultará com certeza no futuro. Muitas mulheres poderão sentir-se atraídas por ti e pela tua mensagem. Decisão consciente e individual? Também. Mas olho à minha volta e deduzo que as mulheres, colectivamente, não exigem ser assim tão respeitadas como isso.

A sociedade vê com bons olhos a actriz “independente” e “confiante” que se despe para uma revista “de bom gosto”, mas que condena severamente outra mulher que se despe como profissão, não para ser “independente” mas para sustentar os filhos. Vivemos num mundo cheio de paninhos quentes quanto à igualdade entre homens e mulheres, defendendo-a fervorosamente; o mesmo mundo no qual um governo composto só por homens é automaticamente visto como machista, e que portanto defende que o género sempre deve, afinal de contas, entrar na equação. Os decotes, as costas destapadas até ao rabo, as nádegas tonificadas, os bronzes, as depilações inventadas no teu país vendem tantas revistas como tu venderás CD, e no entanto o homem que for apanhado a apreciar ou elogiar sem pudor qualquer um destes adornos femininos será apelidado de pervertido e remetido para um site pornográfico; talvez por mulheres que educarão as suas miúdas para não dizerem “pilinha”, e que se deliciam ao ver as educadas crianças dançar ao som da tua música, aprendendo já a coreografia para a saberem identificar mais tarde. Estas crianças crescerão sem aprender quem foi Madame Curie por estarem demasiado ocupadas a idolatrar a Beyoncé e a defender o fim da carga sexual sempre conferida ao sexo feminino. 

Poderás dizer: mas minha cara, as pessoas apreciam a música, dançam porque lhes sabe bem, a letra é secundária. Mentes; é a letra que as pessoas decoram, cantam na rua e em casa, com os amigos. É a letra que se propaga como um vírus da gripe, e que por mais superficial e banal que a consigas escrever, entrará e fixar-se-à no cérebro e na consciência. No dia em que conseguires musicar uma letra anti-semita ou homofóbica e torná-la um sucesso comercial, aí sim poderás convencer-me que "a letra pouco importa". 

No outro dia falei destas coisas a umas amigas e pediram-me para relaxar; estava a ser “uma chata”. Talvez seja verdade, já não sei. Olho à minha volta e pergunto-me se sou a única, ou até se há homens que pensam como eu. Sei que os há, já fui abordada em festas de maneiras diferentes da tua. Tratavam-se de homens aborrecidos, que me perguntavam sobre a minha profissão ou o que gostava de ler; e todos eles não ouviam música popular.

Boa sorte para a tua carreira. Desculpa lá a falta de sensibilidade sexual!

Cordialmente,

Uma mulher

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