sábado, 21 de novembro de 2009

The Fernandez Challenge #2

Desta vez o tema escolhido por Mariana Fernandes foi: "Era uma vez o homem que fazia tudo de trás para a frente".


O que isto significava, no fundo, era uma estranha apetência para levar a vida de forma contraditória. Na escola, começava pelo resultado da conta de multiplicar e só depois fazia a conta. Ao jantar, comia primeiro a sobremesa e só depois a sopa, o que seria o suficiente para a mãe o castigar se não soubesse já que ele sairia do castigo mesmo antes de lá entrar. Na adolescência, entrou primeiro no 12 ano e só depois no 10, pelo que nas aulas sabia o final antes de ouvir o princípio e começava pela folha de trás dos testes. Em viagem, chegava primeiro ao destino e só depois apanhava o comboio. Com tanta actividade, estafado, chegando primeiro aos sítios e só depois tomando o caminho até eles, o homem que fazia tudo de trás para a frente decidiu fechar-se em casa para não enfrentar mais o mundo de constantes trases para a frentes. Saiu-se mal, pois trancou a porta de casa antes mesmo de entrar, e viu-se cá fora, à chuva, mergulhado em lágrimas. A sua vida, desastrosamente espelhada com a vida dos outros, era uma tortura generalizada. Um carro parou ao seu lado, a porta abriu-se, e ele viu por entre as lágrimas a cara de uma bela mulher a sorrir-lhe e a perguntar-lhe:

- Sente-se bem? Quer ajuda?

- Favor por sim – respondeu ele, e a mulher parou por momentos pensando naquilo. Ele recomeçou a chorar, e ela sorriu-lhe mais uma vez:

- Não se preocupe. Venha comigo, eu ajudo-o.

O homem entrou no carro com a ajuda da mulher, porque senão fecharia a porta atrás de si antes mesmo de entrar. Com tamanha ambiguidade, sempre presente na sua vida, o homem recomeçou a chorar. A mulher conduziu pela cidade, em plena chuva torrencial, e o homem explicou-lhe a sua condição e contou-lhe a sua vida, começando por aquele dia e recuando até à sua infância. A mulher emocionou-se, fizeram amizade, chegaram a casa dela e subiram. A mulher acendeu a lareira, sentaram-se a tomar café, e rapidamente deram um beijo; ambos sozinhos, ambos a precisar de alguém que lhes mostrasse que ainda há uma linha condutora na vida, algo que os agarre à realidade (mesmo que essa linha comece no fim e termine no princípio). Despiram-se, abraçaram-se, e enquanto faziam amor o homem chegou ao clímax, a meio começou a sentir entusiasmo e quando a mulher finalmente terminou o homem estava mais do que preparado para começar. A mulher, cansada e satisfeita, agradeceu-lhe aquele belo momento de amor. O homem, no entanto, sentindo-se com a máxima luxúria, recomeçou a chorar, com as lágrimas primeiro na bochecha e depois a nascerem-lhe nos olhos.

.

2 comentários:

Paulo39 disse...

Está muito original.
Só não percebi porque dizes que fazia de tudo de trás para a frente. Pelo que vejo ele faz é tudo da frente para trás o0
Não é?

Renato Rocha disse...

Talvez. Mas interpretei "de trás para a frente" como "ao contrário", ou "começando pelo fim e caminhando para o início". Daí a ter o resultado da conta antes de o fazer, por exemplo. O que, claro, pode ser interpretado como "de frente para trás". Confuso.