segunda-feira, 7 de junho de 2010

Como se fazem os bebés?

Carla estava à espera que o marido chegasse do emprego para ser fecundada imediatamente. Estava, em termos biológicos, na altura certa para engravidar; e no que tocava ao seu estado de espírito, ter um filho seria a cereja no topo de um bolo doce e cremoso que se tinha vindo a cozinhar desde há sete anos. Depois de um namoro açucarado com o seu agora marido Pedro seguiu-se um casamento mexido, com banda ao vivo e duas famílias que se davam maravilhosamente, e uma lua-de-mel onde cozeram ao sol das Caraíbas e fermentaram a sua paixão. Quanto mais tempo conseguirei manter a metáfora do bolo? Difícil dizer, mas acho que ficarei por aqui. O que é certo é que o casamento durou seis anos, com uma casa nova e empregos estáveis; estava na hora de aumentar a família e preencher um dos quartos com berços, ursinhos de peluche e uma criança amorosa.

Carla vestiu uma roupa provocadora e despenteou o cabelo em frente ao espelho da casa de banho. Queria que o seu marido percebesse imediatamente o que ela queria assim que chegasse a casa. Pôs perfume, vestiu o roupão e foi deitar-se na cama. Olhou para o tecto, depois para o relógio, e depois para a porta do quarto que deixara aberta. Estava quase. Ouviu a chave na fechadura, cruzou as pernas de uma forma sensual, levantou uma sobrancelha, sentiu-se demasiado oferecida, colocou a sobrancelha no lugar e esperou que Pedro colocasse a mala em cima da mesinha da entrada e a viesse visitar ao quarto.

- Querida? – perguntou ele, aproximando-se da ombreira enquanto tirava o sobretudo.

- Pedro? – numa voz sensual.

- Estás bem?

- Pedro, faz-me um filho – disse ela num sussurro. Pedro parou de desapertar os botões.

- Desculpa?

- Tu ouviste-me. Anda cá fazer-me um filho.

- Mas isso é forma de me pedires para fazer amor contigo?

Carla descruzou as pernas.

- Desculpa, não pensei que te fosse ofender…

- Não me ofendeu, mas… Não preferes uma coisa mais calma e romântica? Afinal vamos encomendar uma criança… É uma ocasião especial!

- Seja. Tira o casaco!

- Espera, tenho de ir buscar o telemóvel. Ouve, tens a certeza que queres fazer isto?

- Claro! Tu não? Já tínhamos falado sobre isto imensas vezes…

- Sim, eu sei, só não estava a contar que fosse hoje. Dá-me dois minutos.

Pedro desapareceu no hall de entrada e regressou uns minutos depois.

- Tão? – perguntou Carla.

- Fui tratar da burocracia.

Tocaram à campainha.

- Ora aí está – disse Pedro, afastando-se outra vez da ombreira da porta e atravessando o hall.

- Pedro?

A porta da rua abriu-se e Carla ouviu vozes.

- Pedro, quem é? Pedro!

A porta fechou-se e Pedro apareceu à porta do quarto, seguido por uma cegonha enorme e musculada.

- Boa noite, có licença – disse a cegonha, com uma pequena vénia.

- Que é isto? – perguntou Carla.

- Vamos fazer um filho – disse Pedro com um sorriso maravilhado – Estás pronta?

A cegonha começou a tirar as calças e a camisa.

- Pedro, quem é a criatura…?

- Os teus pais nunca te explicaram de onde vêm os bebés? – perguntou Pedro.

- Ainda há muita gente conservadora hoje em dia – disse a cegonha, alisando as penas – acontece com regularidade.

Carla sentou-se na cama, tensa, tapando as pernas com o roupão.

- Quer pôr música? Velas? Deseja que o seu marido se ausente? – perguntou a cegonha com todo o profissionalismo.

- Pedro…?

Pedro dirigiu-se à cegonha:

- Seria possível ser um menino, por favor?

- Então a sua senhora vai ter de ficar por cima. Não se importa? – perguntou a cegonha, deitando-se na cama ao lado de Carla.

- Pedro, eu… - chocada.

- Upa, vá. É rapidíssimo – garantiu Pedro.

- A não ser que prefira que afaste o bico. Faz-lhe confusão?

- O que me faz confusão é estar uma cegonha nua na minha cama. Pedro, o que significa isto?

- Eu depois explico-te com maior detalhe. Agora vamos fazer uma criança, e seremos muito felizes!

A cegonha sorriu para Carla, e Pedro também. Estavam os dois à espera. Carla encolheu-se mais um pouco.

- Podes dar-nos alguma privacidade ou tens algum fetiche esquisito? – perguntou.

- Ah, claro. Desculpa – Pedro saiu porta fora e fechou-a atrás de si.

- Tente manter a calma. Talvez se efectuarmos alguns exercícios preliminares possa ficar mais à vontade – sugeriu a cegonha, tentando puxar Carla para si com uma das asas.

- As suas penas fazem-me alguma confusão…

- Quanto a isso não posso fazer grande coisa… Nunca fez amor com nada com penas?

- Infelizmente não…

- Não se preocupe, não dói nada. Será como fazer amor com o seu marido, só que em vez dele é com uma cegonha. Simples, não é?

Carla puxou o roupão e tapou-se até ao pescoço.

- Vamos devagar, não temos pressa. Quer que ponha música?


***


- Importa-se que fume? – perguntou a cegonha. Carla estava a vestir a roupa interior.

- Não, força.

A cegonha acendeu o cigarro, olhou para o tecto e depois para Carla.

- Tenho a dizer-lhe que nunca pensei gostar tanto do meu trabalho.

Carla sorriu e atirou-se para cima da cama outra vez, estendendo a mão e tirando o cigarro do bico da cegonha.

- Não temd e quê. Também não esteve nada mal. Nada mal mesmo.

- É o meu trabalho.

- Não se sente como um prostituto?

- Sinto-me como uma cegonha feliz. Faço filhos para pessoas que os querem ter. Entrego felicidade. Haverá um trabalho melhor?

Carla partilhou o cigarro com a cegoha outra vez, e olhou para o tecto também. Ficaram calados por uns minutos.

- Seria possível encontrarmo-nos noutra ocasião?

- Como?

- O meu marido trabalha até às nove e meia.

- Eu saiu do serviço mais cedo às quartas.

- Óptimo.

- Vou chamar o seu marido.

- Certo.

A cegonha levantou-se, vestiu as calças de ganga, abriu a porta do quarto.

- Pedro? – chamou.

Passos apressados, e a cabeça de Pedro apareceu pela porta.

- Já está?

- Parabéns. Vai ser pai.

Lágrimas nos olhos de Pedro.

- Oh… Que beleza! Que coisa maravilhosa! Querida, como foi?

Carla fumava e olhava para o tecto - Hum, nada de mais, doeu um pouco, foi geralmente aborrecido…

- Muito obrigado! – disse Pedro à cegonha, dando-lhe uma gorjeta.

- Oh, Pedro, não é preciso tanto…

- Não insista. É seu. Obrigado, obrigado por tudo!

A cegonha despediu-se de Carla com um pequeno aceno profissional.

- Minha senhora…

E saiu pela porta pela qual voltaria a entrar na próxima quarta feira.

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