quinta-feira, 16 de junho de 2011

Samora 6

Sete meses depois sentei-me com Samora e discutimos a pobreza.
- A pobreza é necessária – defendia Samora – para manter a felicidade. Porque pensas que todas aquelas pessoas dão trocos aos rapazinhos na rua que tocam instrumentos? Porque achas que se fascinam com os meninos africanos?
- Porque têm pena.
- Errado. A eles fascina-lhes a pobreza. Ter alguém inferior a nós relembra-nos da nossa própria posição na hierarquia das coisas. Nada como um menino cheio de moscas para dar valor ao nosso sofá e ao nosso microondas. E por isso a pobreza é necessária. Coloca as coisas em perspectiva e torna as pessoas melhores. Se um dia a pobreza acaba é o descalabro.
- Isso é injusto para o menino das moscas. Diria até cruel.
- Como poderá ser cruel? Ele não conhece outra realidade. Ele não tem sofá nem microondas, lembras-te?  Como pode estar triste com o que não tem?
- O ter é directamente proporcional ao entristecer.
- Bonita frase, meu caro amigo, e tão correcta quanto a tua infantil inteligência consegue imaginar. Mas errada. Ter é poder. O ter é sinónimo de felicidade, porque ter é bom por natureza. Senão, de onde vem o natural sentido possessivo da Humanidade? Não serão os impulsos naturais os mais puros e os mais verdadeiros? Já o dizia Guerfolg.
- Guerfolg?
- Filósofo nórdico – disse-me, com um aceno sem importância – O ter é bom, dizia eu antes de me interromperes, só se torna mau quando à nossa volta toda a gente tem na mesma ou em maior proporção que nós. Desde que haja alguns com menos, a vida é bela. Trata-se de uma comparação tão lógica que me admira ser dos poucos a defendê-la. Espanta-me mesmo.
Dali a uns dias reparei que Samora tinha pendurado a fotografia de um menino indiano pobre na parede do seu estúdio, ao lado da papelada do banco. 

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